quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Eu só sei que sinto. E sinto tanto. Que sinto muito. Dessa vez é pra valer: eu não vou mais sentir. Saio na rua com o coração aflito. Cada pessoa que olho, cada verdade que escondo, cada sorriso maquiado é porque já não sinto. E peço que venhas e me traga a verdade, mas sei que a verdade carrego em meu peito debruçada sobre a solidão da minha alma. E cada dia mais que ando na companhia dos meus eus multiplicados em cada partida, mais eu crio episódios de fuga. Idealizo aventuras, tomo de volta o que a vida me tirou, mas tudo isso na cabeça inconsequente, tudo isso no papel borrado pela violência das lágrimas que dispenso cada vez que lembro. Beirando a loucura dessa minha vida fragmentada quase sou capaz de acreditar nas vidas que crio em meu interior latente. Latejo, com as mãos trêmulas, os pés descalços, esfolados de tanto correr dessa dor, ouço uma voz que me chama em desatino. Deixo que ela fale. Ela entra, me encara e observa as minhas fraquezas todas expostas, feridas que nem cicatrizam e novamente são botadas a prova, pele que nunca sara. Espero que fale. A voz continua a me olhar. Começo a duvidar da veracidade dos fatos. Grito novamente comigo, eu grito. Diante da ausência das perguntas que não fiz, crio respostas que nunca saberei. E a voz torna a me lembrar o que é viver de angústias, de falas idealizadas, de momentos ultrapassados por aquilo que não é dito, por tudo que não é tido. Até que a ouço, não sei se por alucinação, não sei se por desejo, mas a ouço:
- Filha - a voz é forte - Trouxe a ti um recado de teu filho. Este que chora dentro de ti porque ao mundo não pode habitar devido a incapacidade de seus pais.
Respondo com um silêncio covarde. E a encorajo a seguir ditando, quem sabe, um pedaço de verdade.
- Filha, teu filho chora. Afasta de ti essa amargura e traz teu pedaço pra fora. Peço que te envolvas, peço que te aceites e liberte teu ventre. Não te angusties, filha segue.
Fecho os olhos e respiro fundo. Eu quero sentir novamente. Não parto. Não há este parto. Será que era você a verdade dos meus dias? A mim deves um filho. Aquele que matamos todas as vezes que fomos covardes. Agora, ele vive aqui dentro. Juntos vamos lutando pra vencer a tua ausência. Onde estiver saiba que és pai. Teu sangue cresce dentro de mim a cada dia e eu o alimento na esperança de que ainda tenha algo de ti dentro de mim. Carrego em meu pranto, a dor da esperança de que tenhamos um parto saudável e enfim eu possa me livrar disso que nutro, esse sentimento que sobrevive de meu corpo, suga a minha alma, evoca meu espírito.

Novamente um quarto vazio. Uma janela entreaberta. Um som de silêncio. Chega.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

(...)
Tom: Qualquer um pode fazer um grande gesto romântico, certo? A grande questão é: o que acontece depois? Você se lembra? Você se lembra o que me disse nessa noite?
Laura: Sim, eu me lembro de tudo.
Tom: Então, o que você me disse?
Laura: Disse que era a noite perfeita.
Tom: Disse que era a noite perfeita.
Laura: Então?
Tom: Então? Como eu supero isso?
Laura: Nos divertimos tanto.
Tom: Nos divertimos muito.
Laura: Então, qual é o problema com isso?
Tom: O problema é que toda vez que tínhamos uma noite dessas incríveis, eu acordava na manhã seguinte em pânico. Então porque não poupamos um ao outro de uma vida mundana de desapontamento esmagador, e apenas fazemos isso com outra pessoa.
Laura: Essa é a desculpa mais fraca que eu já ouvi. Só diga que está amando a Lila.
Tom: Dizer o que? Quer que eu diga que quero me casar com você? Que passarei os próximos 50 anos lamentando este exato momento?
Laura: Você me inspirou.
Tom: Você me inspirou também.
Laura: Então nós deveríamos ter ficado juntos.
Tom: Eu sei.
Laura: Eu vou e vou dizer a todos que você está bem.
Tom: Mas eu não estou. Não estou bem.
Laura: Foi você que escolheu isto.



The Romantics, filme, setembro de 2010: Cena inspiradora e título instigante que combina com a peça, onde os que a ensaiam escreveram - Os Românticos Incorrigíveis: equívocos de um movimento.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu grito para quebrar esse teu silêncio tão egoísta.
E só. Nem vento, nem pó.
E ainda não vivo.
Tenho sobrevivido a tua falta.
"Percebo agora que o teu sorriso vem diferente…quase parecendo te ferir".
Ah, meu querido, que falta me faz teu bem querer.
Dispensas a previsão, mas te prevines de mim.
Você acha que eu não quis insistir em nosso caminho?

Dizem que ele só existe quando a gente passa.
Porque "isso de não saber o que somos ou será que somos.
De ter que definir pra assim eu poder acalmar e te sentir, me mata."
Aliás, como canta a música "me matava".

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Porque enquanto não encontro meu caminho, não consigo te trazer para perto de mim. E não finja acreditar nessa conversa de que quando duas pessoas se gostam ficar junto resolve tudo, dissolve as dúvidas, ampara os sentidos, aponta as estradas, constrói o porto... Ficar junto não resolve o amor. Amor não se entende e quantas vezes morri no porto tentando lhe mostrar que isso se vive, sem amarras, nem planos Sem almoço aos sábados e futebol separados aos domingos. E nós merecemos mais do que essa comodidade superficial.

Porque estivemos perto demais. Dormimos embebidos pela ilusão do nosso aconchego e por um tempo acreditamos que isso nos bastava. Não que eu me arrependa de ter acreditado, mas também crescemos rápido demais. Nos tocamos fundo de verdade e o toque foi a mais alta fonte de magia para as nossas rebeldias.

Eu grito para quebrar esse teu silêncio tão egoísta. A única coisa que perdemos foram nossas roupas carregadas demais de contágio pelo suor calado de dois corpos cansados. E só. Nem vento, nem pó. Chega mais perto, amor. Porque com você eu quis mais do que ficar, com você eu vi meus olhos fechados caminhando guiados por tuas mãos frias.

E por isso eu te larguei. Não aguentaria viver mais um dia longe de ti. E ainda não vivo. Tenho sobrevivido a tua falta. Você consegue sentir? No entanto, "percebo agora que o teu sorriso vem diferente…quase parecendo te ferir".

Ah, meu querido, que falta me faz teu bem querer. Você acha que eu não quis insistir em nosso caminho? Dizem que ele só existe quando a gente passa...

Simplesmente porque "isso de não saber o que somos ou será que somos. De ter que definir pra assim eu poder acalmar e te sentir, me mata". Aliás, me matava.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"The street heats the urgency of now as you can see there's no one around"
Smashing Pumpkins

"Mais rápido do que pensávamos que iríamos cobertos pelo som da esperança" de uma tarde que tinha de tudo para acabar como os últimos meses. Nem terminei de sofrer e já me deparei com outro motivo. E foi tudo tão rápido e foi tudo tão constituído por flashes repentinos de uma noite esperada, mas nunca prevista.

Naquele momento ninguém podia acreditar que guardanapos podiam unir mundos. Dois mundos tão distantes e ao mesmo tempo cheios de equivalências, de poemas traçados, livros ousados e carinhos ultrapassados. Mundos submersos por uma coleção de papeis, de um lado guardados, colecionados, de outro inventados.

E porque escrevo, inventei de escrever para ti. E trazer teus anseios pra esse mundo sonhado, com cheiro de grama verdinha regada por orvalho, cenário de festas enaltecidas pelo vigor de viver o agora. De azul anil, só o fundo do lago imaginado, de escuro, só enquanto a velocidade zelava pela nossa insegurança em estradas desconhecidas dos seus olhos.

Dos beijos roubados, dois cabelos compridos uniram as bocas porque um tinha medo e o outro queria sumir sem rodeios. Rodeados pelos bastidores da vida, nenhuma multidão os intimidou...nem a eles, nem a elas. Somos compostos pela ânsia do desejo que não tem perigo de acabar. E nenhuma definição estaria a altura de nosso tempo. Esse que salva, que acolhe, que traz os braços no mesmo momento que os leva embora. Ninguém ocupa o lugar do outro que se foi, eu tento me lembrar enquanto vestida de água gelada. Mas acolhe.

Enquanto balançamos na rede, duas lágrimas escorrem sem saber que duas mãos a esperam cair para então secá-las. E assim, elas se vão. E assim, nós vamos. Lutando para entender mais sentimentos sem chão, mais idas sem voltas, corações vazios, detalhes sem linha do tempo.

A vontade de ficar é o aviso de que devo ir. Sem ar, faço força para respirar e me pergunto quando acordo, será que algo vai durar? Qual é o limite do tempo? Quantos batimentos eu aguento antes do meu coração parar por falta? Quantos dias a mais sem chão, no caos, sem som, no limbo?

Dessa vez eu não acordarei sozinha. Abraço tuas mãos e peço: "posso dormir contigo?". Depois de tantas mentiras que eu sabia, já estavam por vir, tanta dor, que eu já tinha sentido antes, tanto amor desgatado, tantas revoltas ensaiadas, ossos quebrados, eu só queria uma noite de paz para sentir que o mundo não é tão ruim assim e que alguém pode não hesitar em estar lá por mim.

Quando tintas de canetas desgastadas por pedidos inacabados unem os mundos opostos de marte e vênus. Quando marte ataca e vênus se rende. Quando vênus pede e marte cede. Quando marte abraça, acolhe, mostra o espelho para vênus que já nem se reconhece mais. Quando vênus acorda com vontade de seguir depois de parar tanto tempo esperando por um tempo que nunca veio.
___________________________________________________________________________________

ps¹: tudo isso é devido a falta de uma definição naquele lugar de definições inacabadas que você me mostrou.
ps²: obrigada por me querer num pedaço de tempo que seja, você me mostrou, acima de tudo, que eu ainda posso sorrir.

Resposta assimétrica ao texto: "Por que elas só dão para idiotas", de Gabito Nunes.

Gabito escreveu em uma de suas crônicas que "toda garotinha quebrada" só deixa "se embalar pelo ritmo quente daquele que menos inspira confiança", ou seja, "quanto menor o pulo, menor a queda" e conclui racionalmente: "Então elas têm a magistral ideia de só dar para idiotas. Sem perigo de emoção. Sem ameaças de promessas dissonantes. Sem aborto de sonhos. Sexo seguro".

Tá certo, Gabito. Você fala em defesa dos homens legais que você não denomina assim, mas podemos entender como os "bonzinhos" das histórias pós-modernas de amor. E porque eu falo em nome das mulheres desse tempo que preciso discordar de ti.

Primeiro: não é porque estamos machucadas que ficamos com "idiotas", aliás quem são os idiotas da história, os que nos dão sexo por mero e absoluto prazer ou os que nos prometem mundos e fundos quando queremos apenas acordar submersas por lembranças que não nos impeçam de seguir atrasadas porque outros desejam ensaiar amor quando o amor não precisa de ensaios. Ele apenas está por todas as ruas, solto, livre, sem essa pressão social toda que teima em institucionalizá-lo e por esse motivo - e somente por esse motivo - frustra tantos mocinhos e moçoilas antes mesmo de acontecer.

Segundo: não estou aqui para defender os "idiotas" que mentem por prazer como nós, nem para travar a guerra dos sexos no século em que a luta pela diversidade tem ganhado as ruas com seu amor revolucionário - e libertário - que não fala por homens ou mulheres, mas em defesa dos homens, das mulheres, dos velhos, das crianças...fala por todos, sem discriminação.

Eu tenho uma veia fulminante de cunho revolucionário que luta para sobreviver em mim diante do contato com outros sangues onde imperam, reinam - no sentido monárquico do termo - glóbulos moralistas. É em defesa da luta que eu falo. Dessa luta que acontece em virtude da liberdade e se concretiza no limite da expressão por impressão.

Não optamos por um ou outro tipo de cara. Só não gostaríamos de fazer com eles o que não nos apetece que façam conosco. Não é por medo é em oposição ao medo. É para levantar a bandeira da coragem de assumir o desapego numa época em que coroam heróis, os que sobrevivem ao casamento quando deveríamos era vivê-lo e não torcer para que ele não morra pelo desgaste que o tempo provoca.

A meu ver e a seu também, o amor está fora de moda. Mas aquele amor abstrato, ideal, ultrapassado, romântico. Hoje o amor é outra coisa. Bem indefinido, vestido de dor, mantido por lágrimas. No século vinte e um, amor é tudo aquilo que se sente sozinho (caí na contradição de defini-lo, mas isso é uma teoria simplista do que pode ser tomado como amor). Preocupados em entender nossas relações criamos esteriótipos para sanar nossas incompreensões. Nos perdemos ainda mais no labirinto sem fim da busca humana. Porque o amor institucionalizado é como uma roupa que a gente veste.

Quero é ver quem tem a coragem de ficar nu para assumir todos esses machucados que deveriam nos impulsionar a desconstruir essa fórmula pré-construída de amar. O machucado não nos faz parar em qualquer solução repentina e segura. Ao menos a nós, mulheres pós-modernas. Ele é só mais um motivo para não estagnarmos. E é somente por isso que nós tiramos as nossas roupas.


O texto de Gabito Nunes, motivo desse post, foi publicado no livro "A manhã seguinte sempre chega", do mesmo autor, pela editora Leitura, edição de 2010: Belo Horizonte.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ela tinha um guri para si. Um guri que não tinha fome e nem conseguia ler como ela. Ela tinha uma vontade de acolhê-lo em seus braços quando ele aparecia sem chão, no meio de qualquer noite imersa de madrugada fria, cinza, ou branca de lua cheia. Ela queria cuidar sem perceber que precisava também de cuidados. Acreditava na intensidade com que ele a segurava quando a queria em meio ao álcool, diante de sons confusos daqueles que não precisam falar o que querem porque apostam na linguagem dos corpos. Ela dormia. Por algum tempo ela dormiu e sonhou. E porque sonhou teve que despertar. Sem o seu guri, já não se reconhecia mais. Adotou outros na esperança de sanar a dor da ausência, mas logo eles também se foram. Não bastava. Nenhum deles era bravo como ele quando ela o contrariava. Nenhum deles pintava a raiva da contradição no coração dela como ele fazia. Um deles sabia desaparecer como ele, mas ainda assim não tinha a audácia no rosto, a mentira nos lábios, as mesmas mãos carregadas de impulsividade como as daquele guri. Agora ela entendia um pouco do que era aquele sentimento conturbado. Nada de paz, segurança, afetividade, nem um pouco de reciprocidade para o bem. Era tudo que circunda o caos, que destrói a auto-suficiência, que fere a afeição. Era tudo o que se sente sozinha. Debaixo de tantos sóis, distante das gotas de chuva de um inverno a dois. Nem isso, nem nada parecia mudar o fato dela ter tido aquele guri para si. Talvez ela nem o tivesse tido, e tenha sido sim, somente carência. Mas, o guri a teve. A teve para si em corpo, alma e coração – como num último romance à moda antiga – porque ela sim, doou-se a ele. Não por se iludir ou ainda, acreditar que seria diferente ao seu lado, mas por irreverência e coragem de viver o que sentia. Por saudade de gostar de si ao lado de outra pessoa. Pra se lembrar de andar com olhar baixo, sentir frio na barriga e corar diante das besteiras a dois. Por vontade de abraçar no escuro, de ter um lugar pra correr na chuva, por ser intensa talvez por uma última vez. Até que um próximo guri chegue, ou não. Ela só precisava dizer que teve um guri pra sentir que até então não houvera morrido a vontade de dividir-se com alguém. E mesmo que hoje ela sinta raiva desse mesmo gurizinho, inconstante, dissimulado, apaixonado, ela pensa nele quando vai dormir. E isso a faz se questionar. E entender que os sentimentos não permanecem segundo a bondade que os envolve, infinitam-se paradoxalmente por aquilo que dói. Quanto mais doer, mais vai ficar. E essa foi a primeira idéia de liberdade que se diluiu em sua vida. Ela achava que quanto mais tristeza a invadisse diante da inconstância dos atos dele, mais seria fácil dela o superar. E assim, ele também se decepcionou, pois igualmente havia dito e feito tudo para que se machucassem, no entanto, não pôde livrar-se do que sentia. Por isso, ela ainda achava que estava ganhando. Enquanto o seu guri planejava a vida sem pensar no agora, ela pensava no agora e os planos iam se desenhando involuntariamente, conseqüências de tantas voltas. Pra quem vive o agora – pensou ela baixinho enquanto sacudia o lençol submerso do cheiro dos dois – o sempre não faz questão de existir. Queria dizer adeus, mas para isso, precisava acreditar no “sempre”. Ela tinha um guri para si, por agora, ela o tinha.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Me apaixonei pelo Lobo Mau em pele de cordeiro.
Aquele que faz as perguntas que não quero responder,
E traz consigo as respostas que finjo não ouvir,
Os olhos que não insisto ver,
A boca que não desejo beijar.
Me apaixonei pelo Lobo Mau.
E ele nem quer mais me comer.
Lobo, deixa eu ser mais uma vez a sua Chapeuzinho?
Lobo, eu trouxe a cesta que a vovó mandou.
Dentro dela não tem doces.
Só um pouco da minha dor, e muito do meu amor...
E ainda mais do que sobrou...

Era para eu matá-lo e ir embora.
Era para eu ser a vilã dessa história.
Mas ele foi embora e me matou!

E agora, João?
"Sob nós o silêncio
o mudo caminho
de ir-se

vou
arrancaram-me os motivos
para não ir
a partida é necessária

deixo as bagagens
meu peito não suportaria
o peso de tantas malas

sob nós cobrirão os rostos
os nomes
seremos sempre estes
estes que se amedrontam

ao dar o primeiro passo"

Ryana Gabech - sobre precipícios, muros, passos que não deveriam ser em falso. sobre todas as coisas que doem quando não há pés que ultrapassem as pedras somando entregas angustiadas à palavras negadas.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Clarah acreditava no toque e escreveu que não concebe a vida sem contágios; que ninguém vive o amor impunemente; encontrou-se frente a frente na dor da solidão de uma sala vazia. Uma sala vazia de corpos, mas repleta de almas. Não, ela não falou com Deus - ou deus. Não ouviu vozes do além, nem sentiu toques no escuro. Eram vozes na cabeça, arrepios dentro do peito, diálogos consigo. Era a Clarah e somente ela.

Corri um pouco mais do que minhas pernas eram capazes de suportar. Não tinha lado, não tinha mãos. Foi então que me vi mais próxima daquela que ofusquei por causa das consequências dos meses anteriores. Era ela. Um feixe de luz passou sob meus olhos que apertei na tentativa de segurá-la. Gritei. Senti. Não, não vá. Só por essa noite, fica. Posso dormir contigo hoje, segura? Consciente de que amanhã vou acordar sozinha, eu só tinha vontade de me contaminar pelo hoje, pela força que o agora ainda provoca no meu corpo tão doído de passado, tão cortado por lembranças.

Passou. E fingiu não ver.
O que estava ali, não era apenas eu. Sobre a calçada, o minuto se foi. Mas você fingiu, fingiu novamente não saber o quanto eu desejo você.

O amor que foi embora. A dor que fica agora.
A paixão permanece igual. E você fingiu não notar, que quando eu passo os meus olhos não podem mentir: queria ter você aqui.

Com força segurei meus olhos na esperança de não perdê-los outra vez no seu corpo impulsionado pela ida. Queria, menina, ser aquela que você nunca deixa, apesar de eu saber que pra mim você sempre volta. Dessa vez o sempre tem demorado demais.

Até quando?

She's gone but...Ela vai voltar, ela vai voltar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

“Não encontrareis aqui uma galeria de retratos; trata-se, pelo contrário, de armadilhas, armas, gritos, gestos, atitudes, astúcias, intrigas, cujo instrumento foram as palavras. Vidas reais foram ‘postas em jogo’ (jouéess) nessas frases; não quero dizer que ali foram figuradas ou representadas, mas que de fato, a sua liberdade, a sua desventura, muitas vezes também a sua morte e, em todo caso, seu destino foram, ali, pelo menos em parte, decididos. Esses discursos realmente atravessaram vidas; essas existências foram efetivamente riscadas e perdidas nessas palavras.”

Michel Foucault: de ti eu leio enigmas que me impulsionam a descobrir os mistérios dessa nossa tão atordoada, inconsequente e sufocante vida.