terça-feira, 26 de março de 2013

Enterro

Engraçado. Não acredito em previsões e parece que previ a minha vinda aqui hoje. Trouxe flores vivas, irônico pra quem se sente num cemitério. Isso não tem a ver com religião, apenas com uma pá e terra. Cada vez mais próxima da terra tenho enterrado tanto. E pra quê enterrar serve? Pra continuar.
Ouvi de um grande amigo hoje: "Escreve, tu sempre gostou disso". Tu sabias tanto de mim, mas não me conheces mais. Tenho odiado escrever e odiado tudo o que escrevo. Respondi: Tu queres dizer que estou negando? E tu assentiste com uma respiração leve e um breve sim. Ah, que saudade me deu dessa tua mania de resposta breve. Nesse momento me tornei feliz por não ter te enterrado há dois anos. Apesar de muito tentar. Teu lugar não é com os micróbios, teu lugar é fazendo pessoas se sentirem felizes, como naquele minuto em que te liguei. Não sou mais uma sacola de mercado no teu pé e tu não és mais meu anti-herói. É disso que vivemos, transformações.
Só que vim aqui pra enterrar e comecei esse texto torto sendo feliz, ainda que esteja decepcionada. Essa palavra foi outra pessoa viva em mim que disse quando soube a história: "É ruim quando jogam coisas na nossa cara, não é? Dói." Eu só pude concordar. Aliás é o que fiz o tempo inteiro durante bastante tempo. Concordei. Com as faixas, os prazos, os calendários, as sobrecargas, os medos, as crises, as humilhações. Concordei com o dinheiro desperdiçado. Com os balbucios e burburinhos quando eu me virava. Vocês acham que eu não sei que todos aí dentro me acham louca? Isso é porque vocês estão tempo demais aí dentro pra saberem o que tem sido dito, aqui fora, das disciplinas nobres feitas pelos intelectuais da produtividade.
Algum consolo? Um tapinha amigo nas costas? Não, obrigada.
Lembrei de Santin falando uma de suas maravilhosas falas em algum momento de felicidade: "Quando tiverem dúvidas ou estiverem cansados, venham pra cá, venham pro meio do povo, o povo ajuda, o povo sabe". Finalmente a lágrima enterrada no fundo dos meus olhos resolveu cair agora, no momento em que citei Santin e por que será? A garganta também apertou um pouco. Porque as vezes acho que estamos fazendo o inverso. Saindo de lá e esquecendo quem somos. Todos os dias que andei pelas escadas daquela universidade esqueci quem eu era, cada vez mais um pouco, deixei de sorrir, enterrei-me em metas e metais em decomposição. Me virei do avesso e comecei a me sentir feito a válvula da panela de pressão. Daquele jeito que só ela roda e expulsa, exorciza, se livra de toda a água acumulada. Foi a primeira vez que chorei em 8 meses. E depois disso não parei mais. E lembrando, eu choro. E chorando, eu lembro. Eu sei, há uma inversão cíclica em meu texto. Agora, há também uma forma de amenizar sua dor. "Vá para a sala de aula e lide com os problemas do mundo inteiro. Estude bastante Psicologia da Educação para isso. Não seja tão dramática, é só um pouco de dinheiro. Conquiste sua independência financeira." Depois disso, fiquei calada por quarenta minutos esperando as lágrimas caírem, uma a uma. Cheguei até aqui pra que de forma resumida, você resuma vidas a cifrões. Eu deveria ir embora dessa porra mesmo. 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Efême(r)a

Efêmera.
Porque sei que sou efêmera.
No trabalho, nos estudos, nas artes, nos bares e coisas afim.
Tem tanta coisa que eu queria entender, entender o que faz eu me apaixonar pelas coisas tão rápido e odiá-las também num segundo depois.
Cansada de ter um porto pra ficar. E mais ainda de não ter lugar algum pra ir.
Sempre me arrependendo de dizer depois que disse.

terça-feira, 19 de março de 2013

EL DERECHO AL DELIRIO, por Eduardo Galeano




¿Qué tal si deliramos por un ratito? ¿Qué tal si clavamos los ojos más allá de la infamia para adivinar otro mundo posible?
El aire estará limpio de todo veneno que no provenga de los miedos humanos y de las humanas pasiones;
En las calles, los automóviles serán aplastados por los perros;
La gente no será manejada por el automóvil, ni será programada por el ordenador, ni será comprada por el supermercado, ni será tampoco mirada por el televisor;
El televisor dejará de ser el miembro más importante de la familia y será tratado como la plancha o el lavarropas;
Se incorporará a los códigos penales el delito de estupidez, que cometen quienes viven por tener o por ganar, en vez de vivir por vivir nomás, como canta el pájaro sin saber que canta y como juega el niño sin saber que juega;
En ningún país irán presos los muchachos que se nieguen a cumplir el servicio militar, sino los que quieran cumplirlo;
Nadie vivirá para trabajar pero todos trabajarán para vivir;
Los economistas no llamarán nivel de vida al nivel de consumo, ni llamarán calidad de vida a la cantidad de cosas;
Los cocineros no creerán que a las langostas les encanta que las hiervan vivas;
Los historiadores no creerán que a los países les encanta ser invadidos;
Los políticos no creerán que a los pobres les encanta comer promesas;
La solemnidad se dejará de creer que es una virtud, y nadie tomará en serio a nadie que no sea capaz de tomarse el pelo;
La muerte y el dinero perderán sus mágicos poderes y ni por defunción ni por fortuna se convertirá el canalla en virtuoso caballero;
La comida no será una mercancía, ni la comunicación un negocio, porque la comida y la comunicación son derechos humanos;
Nadie morirá de hambre, porque nadie morirá de indigestión;
Los niños de la calle no serán tratados como si fueran basura, porque no habrá niños de la calle;
Los niños ricos no serán tratados como si fueran dinero, porque no habrá niños ricos;
La educación no será el privilegio de quienes puedan pagarla y la policía no será la maldición de quienes no puedan comprarla;
La justicia y la libertad, hermanas siamesas condenadas a vivir separadas, volverán a juntarse, bien pegaditas, espalda contra espalda;
En Argentina, las locas de Plaza de Mayo serán un ejemplo de salud mental, porque ellas se negaron a olvidar en los tiempos de la amnesia obligatoria;
La Santa Madre Iglesia corregirá las erratas de las tablas de Moisés, y el sexto mandamiento ordenará festejar el cuerpo;
La Iglesia también dictará otro mandamiento, que se le había olvidado a Dios: «Amarás a la naturaleza, de la que formas parte»;
Serán reforestados los desiertos del mundo y los desiertos del alma;
Los desesperados serán esperados y los perdidos serán encontrados porque ellos se desesperaron de tanto esperar y ellos se perdieron por tanto buscar;
Seremos compatriotas y contemporáneos de todos los que tengan voluntad de belleza y voluntad de justicia, hayan nacido donde hayan nacido y hayan vivido cuando hayan vivido, sin que importen ni un poquito las fronteras del mapa o del tiempo;
Seremos imperfectos porque la perfección seguirá siendo el aburrido privilegio de los dioses; pero en este mundo, en este mundo chambón y jodido, seremos capaces de vivir cada como si fuera el primero y, cada noche como si fuera la última.

_____________________________________________________________________
O direito ao delírio, por Eduardo Galeano

Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar?
Que tal se delirarmos por um momentinho?
Ao fim do milênio vamos fixar os olhos mais para lá da infâmia para adivinhar outro mundo possível.
O ar vai estar limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das paixões humanas.
As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pela televisão.
A televisão deixará de ser o membro mais importante da família.
As pessoas trabalharão para viver em lugar de viver para trabalhar.
Se incorporará aos Códigos Penais o delito de estupidez que cometem os que vivem por ter ou ganhar ao invés de viver por viver somente, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.
Em nenhum país serão presos os rapazes que se neguem a cumprir serviço militar, mas sim os que queiram cumprir.
Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.
Os cozinheiros não pensarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.
Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos.
O mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza.
E a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se quebrada.
A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.
Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.
As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua.
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá crianças ricas.
A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la.
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, voltarão a juntar-se, voltarão a juntar-se bem de perto, costas com costas.
Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.
A perfeição seguirá sendo o privilégio tedioso dos deuses, mas neste mundo, neste mundo avacalhado e maldito, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.

__________________________________________________________________
THE RIGHT TO DELIRIUM, by Eduardo Galeano

What if we were to exercise the as yet undeclared right to dream? What if we were to fantasise, even for a moment? Let’s project our vision beyond the current world of infamy and imagine another possible world: a world  
Where the air will be clean of every poison that doesn’t come from human fears and human passions; 
Where in the streets, the automobiles will be run over by the dogs; 
Where people will not be driven by the automobile, or programmed by the computer, or watched by the television; 
Where the TV will no longer be the most important member of the family, but will be treated like the clothes iron or the washing machine; 
Where people will work to live and will not live to work; 
Where there will be  a  law that makes it a crime to be stupid, which is defined as living for the sake of possession or of gain, instead of living for the celebration of life itself, like the bird that sings without knowing what is sings and the child who plays without knowing what game it is playing; 
Where no country will make prisoners of young men who refuse military service, only of those who wish to undertake it; 
Where economists will not call the level of consumption “the standard of living”, nor will they confuse the quantity of things with the quality of life;  
Where cooks will not believe that lobsters just love to be boiled alive; 
And historians will not believe that countries just love to be invaded; 
And politicians will not believe that poor people just love to live on promises; 
Where solemnity will not be a virtue and nobody will take seriously those who cannot jest; 
Where death and money will have lost their magical powers, so that thieves and oppressors do not magically become gentlemen of virtue merely because they have died and left a great deal of money; 
Where no one will be thought to be a hero, or a fool, for doing what she thinks is right instead of what is convenient;  
Where the world will not be at war with the poor, but against poverty, and to ensure victory the military industrial complex will need only to abolish itself; 
Where food will not be a commodity, or communication a business, because food and communication will be human rights; 
Where nobody will die of hunger, because nobody will die of indigestion;  
Where street children will not treated like garbage, because there will be no street children; 
Where rich children will not be treated like money, because there will no rich children; 
Where education will not be a privilege of those who can pay for it; 
Nor will the police be the curse of those who cannot buy them; 
Where justice and liberty, Siamese twins now condemned to live apart, will once more be joined together, cemented, shoulder to shoulder; 
Where a woman, black, will be President of Brazil, and another woman, black, will be President of the United States; where an Indian woman will rule Guatemala and another, Peru; 
And in Argentina, the “mad women” of the Plaza de Mayo will be seen as exemplars of sanity, because they refused to forget in a time of compulsory amnesia; 
Where the Holy Mother Church will correct the printing errors in the Tablet of Moses, and the Sixth Commandment will be an injunction to celebrate the body; 
Where the Church has also added another commandment, which God forgot: “Love thee Nature, of which thou formest a part”; 
Where the deserts of the world are reforested, as are the deserts of the soul; 
Where those who despair have hope, and those who are lost are found, for they who despair are those who hope for much and they who are lost are those who seek for much; 
Where we are the compatriots and contemporaries of all who want justice and beauty in the world; no matter where they were born and when they lived, without the slightest regard for the boundaries of time and space; 
Where perfection will continue to be the absurd privilege of the gods, but in this untidy and messed-up world, every night is lived as if it is the last and every day as if it is the first.