quarta-feira, 7 de maio de 2014

ANGÚSTIA


Página em branco. Sempre que vejo, sempre que vejo uma mãe sozinha chorando aos prantos, penso em sua dor. Penso o tempo inteiro em sua dor. Será por causa do leite dos filhos? Do coração partido? Das mil e uma noites mal dormidas? O que houve, minha mãe. Doce parte de mim. Saibas que é por ti que continuo ainda. Só por ti. Toda a vez que te vejo triste é porque sei que és uma mulher de palavra. Não quero te ver cair pelos cantos da casa. Não quero te ver partir com sua dor profunda. Eu sinto teu peito debulhado sobre o meu. Nunca se esqueça disso, que todas as vezes que te vi partir, um pouco a cada dia, se algo eu fiz, foi por ti. Até essa folha seca que escrevo com os olhos molhados de ânsia e angústia é por ti. Tuas mãos me atam, mulher. Seja cada dia mais porque não sei o que posso conseguir sem saber que és; Em mim, eu vejo todas as tuas vidas. De menina, de jovem e mulher. Tu és minha única forma de vida.  


Pintado por Alfaro Siqueiros David. Sobre Vinilo eucatex

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Ente de relações: do que tenho visto por aí

O que falta a todos nós hoje: nos colocarmos no lugar do outro e voltar ao nosso lugar entendendo a aprendizagem que a ação comprometida de ver o outro, de contemplá-lo, nos possibilita. Vejo cada vez mais ódio nas palavras endereçadas ao outro, um egoísmo que tem sufocado a solidariedade. Todos os dias, é uma luta, uma guerra carregada de palavras.

"Devo adotar o horizonte vital concreto desse indivíduo tal como ele o vivencia; faltará, nesse horizonte, toda uma série de elementos que me são acessíveis a partir do meu lugar; assim, aquele que sofre não vivencia a plenitude da sua expressividade externa, ele só vivencia parcialmente e ainda por cima na linguagem de suas autossensações internas: ele não vê a tensão sofrida dos seus músculos, toda pose plasticamente acabada do seu corpo, a expressão de sofrimento do seu rosto, não vê o céu azul contra o qual se destaca para mim sua sofrida imagem externa". 

[...]

"Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiológicamente (do meu ponto de vista) o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele como o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade, do meu sentimento."

Mikhail Bakhtin

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Determinar

"Mas ele era tão determinista! E me constituiu de um certo modo que minha escrita me condena. Quero voltar a fluir na história de minha própria linguagem que, eu sei, de "minha" não tem nada. Como era justo escrever sem determinar."

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

dos outros para mim




"Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho." 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

e só

"A situação hoje é um suco de soja sabor frapê de utopias".

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

sou

Me ajude
a  morrer,
porque só assim eu vivo.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O toque de Merleau-Ponty

Espaço, Tempo e o Mundo Virtual, 
por Marilena Chauí - Café Filosófico do dia 2 de setembro de 2010

Transcrição de Leeward Wang

Merleau Ponty escreveu: Nós não somos uma consciência cognitiva pura. Nós somos uma consciência encarnada num corpo. O nosso Corpo não é um objeto tal como descrito pelas ciências. Mas é um corpo humano, isto é, habitado e animado por uma consciência. Nós não somos pensamento puro, porque nós somos um corpo. Mas nós não somos uma coisa, porque nós somos uma consciência.

O MUNDO não é um conjunto de coisas e fatos estudados pela ciências segundo relações causais e funcionais. Além do mundo como conjunto racional de fatos científicos existe o mundo como lugar em que vivemos, onde vivemos com os outros e rodeados pelas coisas.

Um mundo qualitativo de cores, sons, odores, tessituras, figuras, fisionomias, obstáculos, caminhos, lembranças, um mundo afetivo, um mundo com os outros, um mundo de conflito, de luta, de esperança, de paz. Nós somos, dizia Merleau Ponty, seres temporais, ou seja, nós nascemos e temos consciência do nascimento e da morte. Ou seja, nós temos a memória do passado, a esperança do futuro, nós somos seres que fazem a história e sofrem os efeitos da história. Nós somos tempo. O tempo existe, porque nós existimos.

Nós somos seres espaciais. Para nós o mundo é feito de lugares. Perto, longe, o caminho, a mata, acidade, o campo, o mar, a montanha, o céu, a terra. Esse mundo espacial é feito de dimensões – o grande, o pequeno, o maior, o menor. Ele é feito de qualidades -cores, sabores, tessituras, odores, sons.

O que é o nosso corpo?

A física dirá que ele é um agregado de átomos, uma certa massa e energia que funciona de acordo comas leis gerais da natureza. A química acrescentará que ele é feito de moléculas de água, oxigênio ,carbono, enzimas e proteínas, funcionando como qualquer outro corpo químico. A biologia dirá que é um organismo vivo, um indivíduo, membro de uma espécie, anima, mamífero, vertebrado, bípede, capaz de adaptar-se ao meio ambiente por operações e funções internas, dotado de um código genético hereditário e que se reproduz sexualmente. A psicologia acrescentará que é um feixe de carne, músculos, ossos que formam aparelhos receptores de estímulos e emissores de respostas por meio dos quais apresenta comportamentos observáveis.

Estas respostas por meio das quais o nosso corpo aparece dizem que nosso corpo é uma coisa entre coisas. Uma máquina, um autômato, cujas operações são observáveis direta ou indiretamente podendo ser examinada em seus mínimos detalhes nos laboratórios, classificado e conhecido. Mas é isso um corpo que é nosso. O que é o meu corpo? Meu corpo é um ser visível, no meio de outros seres visíveis. Mas tem a peculiaridade de ser um visível vidente, eu vejo, além de ser vista. Mas, não só isso. Eu posso me ver!

Ou seja, eu sou visível para mim mesma e eu posso me ver vendo. Há uma interioridade na visão. Meu corpo é um ser táctil, como os outros corpos. Pode ser tocado, mas ele também tem o poder de tocar, ele é tocante, mas ele é capaz de tocar-se. O tato é uma operação que o corpo pode realizar sobre si mesmo. Meu corpo é sonoro como os cristais e os metais. Podendo ser ouvido, mas ele também tem o poder de ouvir. Mais do que isso, ele pode fazer se ouvir e ele pode ouvir-se quando ele emiti sons. Eu me ouço falando e ouço quem me fala. Eu sou, portanto, sonora para mim mesmo. Meu corpo é móvel entre as coisas móveis, ele é dotado do poder de mover, ele é um movente. Mas ele é um móvel movente que tem o poder de Se mover ao mover. Portanto, ele é móvel e movente para si próprio. Meu corpo não é uma coisa, não é uma máquina, ele não é um feixe de ossos, músculos e sangue, nem uma rede de causas e efeitos, ele não é um receptáculo para uma alma ou para uma consciência. O meu corpo é um sensível que é sensível para si mesmo.

O meu corpo é o meu modo fundamental de ser no mundo.

Meu corpo... quando minha mão direita toca a minha mão esquerda, o que ocorre aqui é um mistério, é um enigma, porque a mão direita toca a mão esquerda mas é tocada pela mão esquerda, de tal modo que aquele que toca é tocado e aquele que é tocante é tocado. E eu não sei mais qual mão toca e qual mão é tocada. O meu corpo é uma reflexão reversível nele mesmo.

Isso é ser um corpo!

Ora, o meu corpo estende a mão e toca a mão do outro, vê um outro olhar, percebe uma fisionomia, escuta uma outra voz, eu sei que diante de mim está um corpo que é do meu outro. Um outro humano que é habitado por uma consciência como eu. E eu sei, por que ele me fala, e como eu, seu corpo produz palavras, produz sentido. Nossos corpos formam a intercorporeidade, porque eles são habitados por uma consciência encarnada. Porque há uma consciência encarnada, nós formamos uma intersubjetividade.

Enlaçado no tecido do visível, meu corpo continua a se ver, atado no tecido do tangível ele continua a se tocar, movido no tecido do movimento ele não cessa de se mover. Sentindo-se sentir, o corpo realiza algo que a tradição filosófica sempre considerou privilégio exclusivo da consciência
 –
O meu corpo reflexiona!

Na tradição filosófica a reflexão sempre foi o apanágio, o diferenciador da alma com relação ao corpo, da consciência com relação ao corpo e ao mundo. Quando nós tomamos o corpo dessa maneira como a fenomenologia de Merleau-Ponty toma nos vemos aqui que a primeira reflexão não é realizada pela consciência, a primeira reflexão é realizada pelo corpo. A consciência aprende com corpo a refletir. Massa sensível e sensorial segregada na massa de um mundo sensorial o nosso corpo é misterioso. E esse mistério corporal que é atestado pela experiência criadora dos artistas. A criação é a experiência de uma diferenciação, onde uma separação no interior da indivisão.

Por exemplo, a experiência criadora do pintor e do escultor, é uma experiência que se efetua naquele momento no qual um visível, o corpo do pintor, o corpo do escultor, se faz vidente - ele vê - sem sair da visibilidade, e um vidente se faz visível: o quadro ou a escultura, sem sair da visibilidade. A experiência criadora do músico é um momento no qual um ouvinte - o corpo do músico - se faz sonoro sem sair da sonoridade. E um sonoro - a música, se faz audível sem sair da sonoridade. A experiência do escritor e do poeta é um momento no qual um falante - o corpo do poeta e do escritor - se faz dizível sem abandonar a linguagem e um dizível - o poema o livro - se faz falante sem sair da linguagem. O corpo é, e é isso que a experiência artística mostra, essa capacidade de produzir uma diferenciação no interior de um mundo indiviso. Onde eu não preciso me separar do mundo para me relacionar com ele através da obra de arte.

Mas é no interior do mundo sensível, do mundo sensorial, esse mundo espacial e temporal que a obra de arte é produzida, o que que ela é, ela é uma diferença no interior deste todo que nos habitamos.

É isso Ser Espacial e Ser Temporal.