segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Fechei a porta após acompanhá-la até metade do caminho de partida. Vestindo apenas uma cueca e uma regata, me joguei na cama tentando não sentir mais uma vez seu cheiro impregnado naquele travesseiro. Eu tento não gostar, eu juro que tento. Mas menina, por que você foi se apaixonar logo por mim? Se é que você está apaixonada. Só que eu tenho lido seus olhos, observado seus passos curtos para não ter que ir embora, decorado seu sorriso e o som da sua voz quando conversamos por horas na madrugada. Será que dessa vez você comprou a passagem, esperou o trem e embarcou nesse vagão? Justo no meu.

Eu que sou tão livre, agora. Eu que não quero te deixar passar fome quando você fica. Eu que não quero te deixar tomar banho sozinha depois desse nosso fazer sexo que dura intensamente antes do dia amanhecer. Eu que não tenho para onde ir. Justo por mim.

Observo você dormir e desisto de estar enroscado em seu corpo porque não quero lhe passar tanta segurança assim. Afinal, "a manhã seguinte sempre chega". Sempre chega a hora de você partir e de nós dois seguirmos como se na noite anterior não tivéssemos trocado olhares apaixonados até o segundo em que nos viramos tentando nos encaixar diante da velocidade do nosso desejo incontido. Ver você partir e não admitir que é bom estar ao seu lado faz de mim um pouco mais forte nessa história de fraquezas. Porque dessa vez eu não quero lhe perder e pra não lhe perder eu não posso cair na tentação de lhe enganar. Então toma, pega o meu silêncio e faz dele o que a sua imaginação permitir.

Menina que um dia chamei de minha. O que o tempo foi capaz de armar pra nós dois? Derrubou as certezas e nos colocou nessa enrascada sem nome que nos faz ficar assim, tão a espera quanto sem esperar. Eu não espero nada de você e você tampouco de mim. E nós dois vamos vivendo como se não nos quiséssemos. Continuamos jogando que é pra não perder a magia. Eu digo pra você se cuidar e você me responde com um olhar receoso de quem queria ouvir mais que isso. Dou-lhe um beijo tímido e lhe coloco na primeira poltrona que é pra eu não lhe perder de vista. Depois me viro e não olho para trás. Você se vai e também não arrisca me olhar. Ficamos novamente na encruzilhada das reticências recheadas de conjunções... -"e se"- que terminam em advérbios definitivos - "e nada".

E ficamos assim, brincando de nada e apostando no nada que é pra não ter perigo de ninguém sair perdendo. No fim, preservamos a esperança de que nenhum dos dois se perca.

Até o fim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Quem disse que precisa estar sofrendo pra escrever não sabia do que a felicidade era capaz. Felicidade instantânea. Não sei, mas o que tenho sentido é maior que os dias que tenho vivido. Uma sombra de remorso passa longe de mim. Não tenho mais medo. Deve ser essa gota de você(s). Gota que vem repentina assim como lágrima de saudades, mar de solidão. Gota que puxa minha memória e faz reviver aquele som daquela noite naquele segundo. Parece tão surreal. São 3 e meia da manhã e eu queria estar em casa pra escrever tudo aquilo que escrevo agora. Só que o momento passou. Assim como passaram as minhas palavras para você. Repentinas. Sensíveis. Permita-me tocar teus olhos com essas mãos tão livres. E cruzar meus dedos nesse seu cheiro de cabelo suave. Fechei os olhos. Quem disse que precisa estar dormindo pra sonhar não sabia o que era a ilusão.

Um pingo de poesia nesse chão intacto de roupas usadas, malas rasgadas e uma vontade de ficar. Hoje eu não posso. E é mais uma despedida. Só que agora quem vai, sou eu. Pobre solidão de nós dois. Vejo tudo pela lógica de quem sempre tem que ficar. Quero partir. Partir corações como você fez com o meu. Juntou os pedaços, formou a palavra, mas não disse a frase. E ainda assim permaneci. Na ansiedade, na nostalgia, na incoerência. Inteirinha. Ainda que fragmentada pelas dores que você não foi capaz de curar totalmente. Pedaços de mim que eu vejo você levar cada vez que resolver partir, partes dali e daqui. Partes.

Antes de ti. Antes de ti eu não sabia o que era sentir. Quem disse que precisa estar amando pra sentir nunca entendeu o que é a paixão. Daquela que rasga, treme os joelhos, esfria o peito ao mesmo tempo que aquece, daquela que vai. Ela só vai. Tenho vontade de ser paixão porque quero ir embora o tempo inteiro. Que tempo é esse capaz de mudar tanto o meu amor, de fazer ele louco e sem lar, tempo capaz de sofrer ao mesmo tempo que sorri. Sentimento acompanhado de negação, porque quando você sente só quer que ninguém saiba, muito menos você. E se engana, e foge. E aí que parte. É nesse sentido que você também parte. Vai embora querendo ficar e machuca querendo curar. Antes de mim.

Unite. Unite a mi. E novamente do lugar da fronteira, do limite, da linha que não ouso ultrapassar vejo você acenar sem paixão. De longe acompanho a partida. Nem me olha nos olhos, nem me abraça mais. Não há mais tempo pra nós. Do nó formado na garganta fica o impedimento para eu pedir que você volte. Ou que fique. E que me olhe nos olhos, abrace-me forte, respire fundo e diga a frase. Em um mundo possível...arranca as minhas certezas e vem me provar. Pobre solidão de mim.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"E esse é meu jeito de lidar com algo que não se acaba, só muda de chão. "

Deixa, vai. Deixa eu guardar esse momento. Porque como disse Chico em algum dia de dor ou sacrilégio, vai passar. Como toda a tempestade. Somei todas as minhas dores lamentando perdas e atando nós na tentativa de ignorar o vento sul que quando chega vem pra derrubar todas as certezas. Mas como eu já disse aqui ou como alguém já disse lá: não quero que seja certo, só quero que seja. Me basta. Me bastou. Tem me bastado. Porque isso que sinto é livre, vai e vem como vendaval, gato sem dono, semente que se escora em bico de passarinho sem lar. E esse é meu jeito de lidar com algo que não se acaba, só muda de chão.


segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Eu tenho urgência, urgência de mim. Faz tempo, durante as linhas tortas da minha história que me perdi no desespero de encontrar caminhos certos sem me dar conta de que o certo era estar somente comigo. E quantas vezes chorei sem dormir, quantas vezes dormi para não chorar. O meu desespero, a minha angústia só me fizeram desacreditar daquilo que fui, daquilo que sou...
Mas sigo, são linhas tortas que desenham minha sina. Agora eu sei, não tem rostos nem estradas reformadas, apenas terra, elemento da natureza que me faz florescer. Não tenho nem muito de ti, nem dele. Sou somente eu. Desse jeito inconstante, com um sorriso retorno, olhar louco e mãos trêmulas. E tremo. E sou. Amante da discórdia, buscando me recompor nas águas dos outros, soluçando perante a rapidez da minha necessidade. Sou. Perdi tantas coisas, tantos dias, tantos, que não faz mais sentido sentir tanta dor. Acostumei-me a acender as velas diante da solidão dos fortes. Por ti e por mim estou aqui. Insônia inconsequente. Em busca das minhas mãos percorro cada momento de presença, nem que seja pra dizer que sonhar faz sentido quando a realidade te destrói, nem que seja pra contar uma mentira pra sanar a dor dos dias, nem que seja pra afirmar que viver não faz de nós melhores se o que temos é justo aquilo que não desejamos ter. São só meus olhos que não podem gravar, mas na minha memória eu guardo, cada sim e cada não. Cada presença recheada de ausência, cada loucura apaziguada pelas tão ousadas palavras de impulsividade latente, cada um de nós todos querendo juntar-se em constância. Corre. Já é tempo de liberdade. E por favor, livrai-me de todo o mal: amém.

domingo, 12 de dezembro de 2010

"Sou como alguém que procura ao acaso, não sabendo onde foi oculto o objecto que não lhe disseram o que é. Jogamos às escondidas com ninguém. Há, algures, um subterfúgio transcendente, uma divindade fluida e só ouvida.
Releio, sim, estas páginas como representam horas pobres, pequenos sossegos ou ilusões, grandes esperanças desviadas para a paisagem, mágoas como quartos onde não se entra, certas vozes, um grande cansaço, o evangelho por escrever.
Cada um tem a sua vaidade, e a vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas...
Releio? Menti! Não ouso reler. Não posso reler. De que me serve reler? O que está ali é outro. Já não compreendo nada..."

Bernardo Soares - escreve por mim, vai, meu poeta da melancolia porque eu já não tenho forças intelectuais (emocionais) suficientes pra (des)organizar meu pensamento...

sábado, 4 de dezembro de 2010

"tudo numa coisa só"

É, falta pouco. A um passo do (im)possível, a algumas horas do indefinível, a poucos dias do que há quatro anos não era imaginado, quem sabe sonhado, mas tão distante em tempo, condições e dúvidas. Olho para o lado e apesar de não enxergar posso sentir cada um em cheiro, cor e tom. Dos que se foram guardo memórias permanentemente regadas com lágrimas de certeza da sua importância. Dos que ficaram, enlaço minhas mãos, puxando-os sem força-los a estarem comigo, mas acreditando que enquanto estivermos de mãos dadas será difícil os ventos do tempo separarem nossas expectativas. Dos que estão indo procuro encontrá-los a todo instante para fazer desses momentos eternos, em palavra, em gosto, em som. Para aqueles que estão vindo, guardo meu olhar de saudade remota e de espera sadia, porque sei que não será a última vez que os esperarei com a mesa posta pelo meio-dia, a bebida escolhida pelo fim de tarde e as corridas de insanidade pela madrugada. Tenho me guardado para todos vocês, os únicos que têm conseguido enxergar a minha tamanha inconstância e ainda assim se manterem diante de mim. De tão perto que os sinto, não é preciso nem estender as mãos, nenhum esforço para agarrá-los, nenhuma tentativa de acorrentá-los. Sinto vocês quando meus olhos se fecham e é nessa hora que a minha mente se abre. Sinto vocês nos meus sonhos mais loucos de verão, vejo vocês pulando as ondas comigo no ano novo, acredito em vocês correndo por estradas indefinidas totalmente envolvidos pela certeza de nossos dias juntos. Desejo vocês a todo segundo. Tem um grupo que vejo fazer cantar, zelar por sentir e concretizar o sorrir de uma multidão. Outro que vejo conseguir encantar muitos pelo prazer de despertar o desejo da conscientização que se obtem quando na luta se acredita. Um que vai mover um boa quantidade de gente à livraria contrariando todos aqueles que hoje têm falado que o livro vai sumir diante dos avanços da tecnologia. E lembro-me agora, daquele pequeno coração frio aquecendo corações por aí ao espalhar a sua demagogia não como bandeira, mas como questão em aberto. Você vai fazer tanta gente refletir sobre esse mundo...Também enxergo uma menina que quando conheci era insegura, falando no microfone para dezenas de olhares atentos, mostrando a todos a sua superação daquele medo de infância que ofusca seu desejo de falar, fazendo-a se refletir na escrita o tempo inteiro. Vejo meus amores maiores de cabelos brancos na essência (ainda que escondidos por uma tinta castanho claro ou um tom mais escuro), com a mão no coração sentindo orgulho de mais uma conquista que ainda que seja individual, traz orgulho para nós todos, pois somos enquanto família. É, a um passo do possível, agora eu posso exclamar com todos os sentidos, por meio de meus dedos que se esforçam na tentativa de encontrarem alguns versos para nós. Isso aqui não é uma previsão, existe enquanto retrato de um passado recente e a cada vez que dou mais um passo, concretiza-se pelo valor dos detalhes de hoje, consolidando-se num futuro almejado. Graças a todos vocês.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Vai passar nessa avenida o amor vai passar...

Queria espremer meus olhos até que caíssem todas essas lágrimas que tomam parte do meu corpo sempre depois de uma noite de chuva. E como dói, faz arder cada centímetro de mim porque eu nem sei. Não sei se nossos olhos choram ou se são só os meus, sozinhos, abandonados, orfãos dos seus.

Embrulho-me em um papel com laço de fita dourada e espero passar o próximo trem agarrada em uma esperança que nunca vem. Comprei o bilhete, mas não ouço o barulho da roda nos trilhos e para imitar essa ausência de sons, faço silêncio. Um silêncio intimidante, íntimo, que de tão intenso é quase sonoro.

Na somatória de todos esses nãos, sinto-me entregue a um mundo de negação. À negação dos meus dias, dos meus sentimentos, dos meus planos. Olho no espelho e não me encontro, onde está a força? Onde está a menina-mulher que de tanto se amar conseguia alcançar tudo aquilo que se propunha movendo montanhas com a ponta dos dedos?

- Onde estou que não aqui? Perguntou ela para seus próprios pensamentos. E mais uma vez obteve como saída o silenciamento da falta de respostas. Sentiu medo de se fechar, sentiu a lágrima novamente escorrer sob seus rosto gelado levando embora mais um pouco daquelas memórias salgadas, doces e amargas. Engoliu a saliva, olhou ao redor e novamente não viu o trem passar. Talvez, ele até tenha passado, mas de tão focada em um só som, em um só toque, em um, ela ignorou a passagem e enquanto acreditar que sejam um, que são um, ela nunca vai subir nesse vagão que de tão vago com todas as suas poltronas vermelhas, espera por ela que espera por outro.

E quantos trens mais vão passar com seus vagões abertos para ela? Respira e decobre. Tira isso de dentro de ti, abre esses olhos e seca essas lágrimas. Teu mal é querer que fique e que doa e não é recíproco, então vai. Pára de virar essa cabeça para onde não faz sentido ser. Seja mais sua, seja mais...suba naquele vagão.

Pobre solidão de nós dois.

sábado, 27 de novembro de 2010

A escrita me comove. Porventura, nesses tantos dias que os desencontros circunstanciais apontaram os danos que anteontem eu não via, agora escrevo. Pode ser na tentativa de me livrar desse imenso vazio que me engloba dos pés a cabeça, sequestra meus sonhos e faz guerra sem princípio de paz. Estendi a bandeira branca. E disse "chega". Mas os sentidos de confundir entenderam que era pra ti chegar. E os soldados continuaram a atirar contra meu peito descoberto. Estou exposta, o corpo cansado pede socorro, mas é a mente que insiste em ficar. Quanta coisa que não sabem de mim e procuram não saber. Quanta coisa que eu não quero contar e que fica aqui guardada me esmagando, me condenando, me exibindo. E é só nos livros que me encontro. Olho pro mundo no lugar da estante e tento ficcionalizar tudo o que sinto. E é só assim que funciona.
A separação é um poço de sentido. Só sentimos quando estamos a sós. Nessa solidão quase sólida procuramos encontrar o ponto onde tudo se perde e se torna de verdade. Alguns encontram saídas alternativas, remédios, sessões na psicologia, ombros de amigos, colo dos pais...outros procuram os livros na tentativa de se apropriar do fênomeno de pensar (ou sentir) a ausência. Pode ser o livro técnico, fuga do emocional, o livro de auto-ajuda, uma receita sistemática de como se esquecer o que te dói em 28 dias, os livros de romance, porque então você se envolve na história de outros que sofrem tanto ou igualmente a você, e finalmente os seus livros... aqueles que vem compostos por poesia e música, três linhas que juntas revelam um mundo interior maior do que 100 páginas de técnicas, 34 sessões de psicologia (sem querer diminuir essa arte, até porque sou frequentadora desse bem), 10 passos de auto-ajuda descritos em um livro que arrecada milhões. Poesia salva, música eleva. E o coração, intimamente ligado ao sentir falta, pede. Depois agradece. O coração que está do lado da vida e diz: "mais vale viver juntos, ainda que separados do que morrer um pela mão do outro na guerra".
A leitura me envolve. Quando acho que digo alguma coisa diferente, leio dois segundos depois em algum autor que guardo com estima perto do peito. Ou em outro que encontrei quando vasculhava resquícios de mim em meio a correria dos dias. Envolvida pelas palavras dos outros, num diálogo constante, minha mente não pára, é uma ebulição de pensamentos que provocam as mais diversas reações abusivas em meu corpo que grita. E ninguém mais quer me ouvir. Mas o meu autor escolhido me ouve, me lê, porque senão tivesse me lido como escreveria exatamente o que sinto? Eles são o meu mistério mais temeroso. Meus autores são meus pais, os guardo o tempo inteiro, aqui, em minhas mãos, por duas linhas ou até em grandes páginas com letras minúsculas.
A análise me cansa. Estou demasiada exausta de ver que o mundo inteiro nos julga por amarmos. Por que não julgam os que enganam? E se julgam por que então toda essa mentira não muda? A busca pela sinceridade é intensamente quebrada quando temos que nos reservar para não assumirmos o que queremos. Se o fazemos pelo nosso bem, até pode ser sinceridade, mas somos permanentemente oprimidos por falta de nos encaixarmos. Ou por sentir demasiado. Eu sinto o tempo inteiro. E a linguagem me permite. E se sinto é porque sou composta de ausências.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Por onde eu tenho andado? Perdi-me nas entrelinhas taciturnas do anseio de me amar e com tanto amor que depositei em mim, esqueci-me de como era se sentir amada pelo outro. E corri, e chorei e caí, desmistifiquei as palavras colecionadas por uma teoria falha. Falho, sou eu que tenho falhado no imediatismo desse sentimento que não pode passar. Sei o que quero, mas o que quero eu não quero. E têm olhos que tentados por me aprisionar deixam-me livre para amar. Não quero um consolo, colos passageiros, coesões e coerências. Quero palavra que fica. Porque eu sempre fico e me estico na tentativa de puxar de volta tudo aquilo que escapou por alguns centímetros de medo. E se eu não gostasse tanto...tem tamanho gostar? Tem sentido que solto, voa inspirando liberdade e respirando solidão. Onde estou? Labirinto de proezas e frases soltas, textos desconectos, distâncias sintaticamente sentidas. Seleciono lugares por onde andei, mas não encontro saídas. Sou sempre confusão e de conflito em conflito acendo lentamente o fogo da desilusão. Desmerecida, abro espaço para outra voz que tem tomado minha consciência na tentativa de resolver meus sonhos distorcidos:

Ajoelhei-me
deitada no chão
contei as goteiras
as gotas
abri
fechei
abri fechei
a janelinha esmiuçada do banheiro

nada se prende ao chão
nem o pó
a masmorra
movimentada do dia

contei o tempo
arregacei as horas
insisti
refalei
adoeci
nada
nada
nada
foi a resposta
das minhas perguntas

até a sombra de uma cadeira
marcada na parede
parece mais livre
que essa história

até esses enfeites de macela
sobre a mesa
começos de escada
até tudo isso
não respondeu a pergunta

eu sou cega-surda
ou deveria ser mesmo muda

ou sou apropriada
fina folha de sulfite branca
pasma

ou a tentativa de me unir ao chão
ao pó assentado nas prateleiras
não passa de um tênue reflexo

sobre meus sentidos

escondidos
vistos
faltados e ouvidos

desmerecidos

Ryana Gabech

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

o prazer de viver

a POESIA
com POESIA
da POESIA
em POESIA
por POESIA
de POESIA
pela POESIA

há POESIA!
há POESIA!

vem POESIA
vai POESIA
se POESIA?
lá POESIA
cá POESIA
já POESIA

POESIA-me
POESIA-te
POESIA-se
POESIA-nos

Ah, POESIA!
Ah, POESIA!
Sentir é tão abstrato, encostar é a consequência, o ato.

Ouvi Skank por você. Aquela que canta: te ver e não te querer, é improvável, é impossível. E o mais irônico é que eu não ouço Skank. Você desemboca reações absurdas em mim. É o meu bom e velho platonismo voltando a correr nessas veias que de forma tão incomum tinham trocado a fugacidade pela permanência.

De longe, teus olhos me lembraram alguém. Escondido por detrás dos teus cílios tão escuros, desvendo a cada vez que te encaro, um pedacinho de ti que eu nem sei se é faz de conta ou coragem de arriscar. De volta ao jogo, te vi cantar. De longe, recuando para que não me notasse acreditei novamente na loucura das minhas distrações que viabilizam meu jeito distante de desejar: ora, você pode me sentir?

Observei você por tanto tempo que pela minha cabeça nunca passou o acontecimento do toque. Quando pude te tocar, teu jeito deixou de ser imaginação e passou a ser relato. Relato aqui o quanto eu gosto de ficar longe de ti só para ter o prazer de te tocar no final da noite. E que final recheado de início! Deveria ser sempre assim, amores platônicos que por impedimento de se realizarem nunca têm um fim.

Quando você me olha, eu fico assim, sem ter o que fazer. Imobiliza meus passos, dá sentido ao meu sorriso que desvio, porque hoje está quebrado. Perigosamente, arrisco olhar teu mundo também: estrelas incandescentes pintam meu olhar junto ao teu. É diálogo mudo, como quando nossos olhos se encontram e se desviam em um segundo, receosos. Temos medo da descoberta, mas gostamos do jogo de descobrir. Descobre-me que descubro-te, meu sonho de verão, sintonia da minha melancolia, motivo do meu palpitar incerto.

Eu quero o desassossego de te desejar em silêncio. O sossego de idealizar teu toque. A ternura de enfeitiçar teus eus. Como poderia ser contato se somos ao mesmo tempo limite? É o lugar da fronteira que nos possibilita ficar. Entre nós, tem um rio de gente, e dentro de mim, um mar de sonhos. Por ti eu sou procura, por mim agora sinto, sou superação. Deixei os fantasmas brincando no velho corredor de outrém e inspiro mudança, variação, alteridade: meu bem você me dá, água na boca!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Devolva, maldito. Devolva a minha nudez sem vergonha. Devolva as madrugadas que passei em claro, mas de olhos fechados sentindo meu corpo. Devolva o meu sangue quente, meu suor enraivecido, meu cheiro gasto.
Ladrão dos meus prazeres. Você me roubou a solidão, aquela que me era intacta, tão tácita, aquela que me era paixão. Devolva a minha insanidade, meus olhos molhados de sentir, minha promiscuidade tão seletiva. Devolva a força das minhas mãos que apertavam tuas costas na tentativa de me encaixar novamente entre teus poros. Ladrão de vontades, devolva meu desejo.
Devolva a minha prosa que se faz com poesia. Traz pra mim o meu sexo, a minha virgindade que se fez e se desfez perante teu fôlego. Devolva a minha fugacidade, a minha ironia, o meu jogo e a minha inspiração.
Quero ouvir a minha falta de respirar, o coração pulsante por não querer parar, a rotina da deselegância das muitas posições. Onde está meu inferno? Onde está o meu final que transbordava de vontade pra recomeçar? Devolva as minhas artimanhas, minha violência e minha nitidez.
Devolva o meu show que se fez com tua performance, a minha vulgaridade que se criou diante das tuas dúvidas e as minhas que se fizeram pelo teu prazer. Teu prazer rasteiro...que se apagou em migalhas e depois sem migalhas sumiu feito pó. Nem há pó, nem nada. Nem um pingo de suor. Nem ao menos lambidas nas partes mais íntimas, ou sensíveis...pode ser pescoço ou mesmo na orelha. Partes essas que se comunicam em voz baixa com outras tantas partes. É a lei da linguagem. Você me calou. Diante da minha mudez, fiquei nua. Diante da tua insolência, criei muralhas que nem mesmo a torre mais alta pode ser capaz de ultrapassar.
Devolva-me a inexatidão dos sentidos. Porque não quero mais a certeza de que perdi toda a sedução dos motivos, quero o desprazer da insegurança, a distração da vingança, a saudade dos meus tímpanos implorando pela tua voz. E grito, grito como quando você me calou com tuas mãos para segurar o meu orgasmo. Grito como quando você me colocou de bruços pra me fazer tua e escrava dos teus braços. Grito porque quero que escutes, o que estragou o nosso fogo foi a tua mania de querer amor. Eu quero a consequência. Devolva a minha ânsia de lutar.


domingo, 21 de novembro de 2010

Meu querido,

Senti você comigo hoje quando levantei da cama, acho que você estava pensando em mim. Tive um fim de semana tranquilo, não bebi mais e me sinto em paz aqui onde estou. Pra lhe falar a verdade, não queria voltar. Talvez, aquela vida conturbada que tenho levado longe daqui, tem me deixado inconstante e tem sido responsável pela minha vontade de sempre ir embora. Perdi a paciência que me era inerente e o respeito dos meus pares. Queria usar aquele adesivo que dita: "estou em silêncio" para ver se consigo controlar meus ataques inconsequentes em que cuspo as palavras nos olhos dos outros para me defender de algo que eu nem sei o que é.
Por outro lado, tenho dormido novamente. Não lhe procuro mais nas noites que embora sejam de verão, ainda sopram ventos para me lembrar dos fantasmas do inverno. Meus pais estão preocupados comigo. Chamam-me idealista, politiqueira, altruísta e às vezes dizem: "Você não é Madre Teresa", mas sou Maria, respondo sempre em pensamento. Não sei me adaptar aos ditados dessa vida, você sabe, não sei ser hipócrita e fingir que o mundo está bem quando a doença da desigualdade se espalha como um vírus sem cura. É, meu bem, eu estou crescendo.
Queria falar de nós dois. Sinto falta do seu cheiro e das suas mãos. Sinto falta de deitar de bruços ouvindo Beatles e ficar pensativa esperando você sair do banho, de não responder quando você me chama esperando que me encontre sem a minha voz para guiá-lo. Sinto falta do seu olhar de reticências que foi substituído por esse de dor ou pena, duro e insensível. Andei pensando tanto esses últimos tempos e descobri parte de nós.
Se você me permitir: Eu não queria que insistíssemos em algo que estava destinado ao fim, seriamos duas pessoas infelizes em um relacionamento de mentira. Por isso, não poderíamos nos manter ali. Apesar de os "se" sempre me perseguirem porque, no fim nós nem tentamos. Nós brigamos muito quando percebemos que ia acabar, talvez pelo desespero de ter que se abandonar mesmo não querendo, ou por ter que aceitar que química não mantém amor. Não queríamos nos deixar. E passaríamos muitos dias juntos, felizes por não estarmos separados. Sei que não nos falamos há algum tempo e isso me proporcionou sobriedade suficiente para lhe escrever calmamente agora. Não estive em Roma, mas preciso citar uma passagem da história de lá para que você possa compreender. Octavio Agusto construiu um lugar maravilhoso em Roma para poder guardar as suas coisas. Quando os Bárbaros vieram, destruíram isso e todo o resto. Como ele pensaria que Roma, o lugar que era tudo pra ele no mundo, estaria em ruínas um dia? É um dos lugares mais quietos e solitários de Roma. A cidade cresceu em volta dele todos esses séculos, como uma ferida preciosa, um antigo amor que você não quer esquecer. A dor é tão boa, queremos que as coisas continuem as mesmas, meu amor. Vivemos infelizes por termos medo de mudanças, de ver nossas vidas acabar em ruínas. Então, pensei nesse lugar e em todo o caos pelo qual passou. A forma como foi adaptado, queimado, destruído. E ainda achou formas pra se construir de novo. Talvez minha vida não tenha sido tão caótica assim. O mundo que é, e a armadilha é se apegar demais a ele. Ruínas são um presente. São o caminho para a transformação. Perguntam-me se estou pronta, assim como você havia me dito que estava. E eu respondo: Agora estou. Devemos estar preparados para todas as transformações. Merecemos mais do ficar juntos por medo de sermos destruídos se não ficarmos.

Aonde você estiver, estarei lhe mandando luz e amor.

De sua eterna Mi.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Não me pareceu estranho o teu olhar de repulsa quando me viste dançar. Nem mesmo a tua insistência imatura de me prender sobre tuas recusas. Tu te tornaste tão previsível que desconstruiu todos os momentos surpreendentes que tivemos em meio a um inverno que cheirava carência.

E isso só me fez correr para bem longe ti, por isso reclamas e mentes, deve ser a minha capacidade de luta que se opõe ao teu moralismo banal. Sempre soube que seria uma pedra nos sapatos dos teus planos, que nossas pegadas partiriam para outros rumos em direções opostas, mas nunca pensei que seríamos dor ao invés de saudade.

Aliás, nunca tive a pretensão de encontrar em ti motivos pra ficar em meio à oscilação de sentimentos, enganei-me sentindo teu cheiro empregnado em meu corpo, rememorando beijos que se revelavam quentes diante de nossa frieza e correndo pra longe da bagunça que era a tua vida.

Coloquei minhas botas gastas em mais um dia de perda, perda que foi se diluindo em pedaços de nós dois, tu porque te obrigas a sofrer pelo sofrimento que cometeste em mim, eu dilacerada, sem fé, sem busca, sem sede de saber, porque quanto mais tu falavas, mas me lembravas dos teus paradoxos entre ir e ficar, entre gostar ou não.

Repito, foi tu que escreveste todas essas malícias, entre corpos cansados de se enganar com os dos outros e procurando refúgio em um prazer mais certeiro, que não só prazer...tinha olho no olho demais, entregas angustiadas, sorrisos sorrateiros, vozes entrelaçadas pelo som rouco do teu violão tímido, roupas largadas em meio aos quartos que gritavam por nossas loucuras e mais tantas outras coisas que sei, não precisas te esforçar para trazer pro agora.

Abaixar a cabeça na frente daquilo que me fez te esquecer é me colocar entre o céu e o inferno, porque quando enxergo teu olhar distante, repleto de um vazio esmagador dos sentimentos que restaram (ou não) consigo entender que não faço pela proteção que almejo atingir nos braços de outros, mas pela certeza de que finalmente tu entendes que não somos feitos de reticências e que nem tudo será da maneira como tu quiseste escrever.

Porque tu achas que sempre tem que ficar tudo bem. Eu quis desvendar o teu sempre tão descartável, das tais promessas mudas, dos sonhos conversados, do silêncio que nos era e foi sempre a tradução da nossa segurança. Tu fechaste a porta e abriste uma janela, ao longe, circunspeta, bem do lado daquele banheiro aos fundos em que jogamos todas as coisas que não queremos mais, mas que sabemos ainda podem voltar.

Eu, sempre teimosa, finalmente deixei meu orgulho se colocar e peguei uma caneta firme, segurei-a forte, tomei a frente dessa narrativa. Escrevi o nosso fim sabendo que agora seríamos apenas personagens das minhas mãos e que não te daria o controle como o anti-herói que foste outra vez (de uma forma que não sei me havia escapado) e pude, por fim e pelo fim dizer: - adeus.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Quebrei a chave da garagem, aquela do portão aqui de casa.
- que casa?
A de balneário, sim, a de camboriú...
- é a de balneário camboriú.
Isso, só faltou a letra maiúscula.

Do meu joelho escorre sangue e eu nem sei como o carro estacionou.
Ilusão.
Claro que eu estava protegida, eu sempre estou.
Minha mãe ao meu lado, ela tem se preocupado.
Não só ela...

É, também aqueles que se vão.
- Quem se vai?
Os mortos.
- Para ti.
Queria mudar, queria trazê-los pro meu sossego, pro meu sono, aquele que só é tranquilo se com eles. Entende?
- É, quem tem que ficar, fica, não?

Repito essa frase o tempo todo pra ver se aumenta, fica igual, ou diminui a minha dor...essa que toma todos os meus pensamentos.
- Ei, você precisa muito escrever, não sobre mim, muito menos sobre os que se vão. Você precisa escrever suas perspectivas, seus planos, fazer dessa transição pela qual você tem passado, de uma vida imprudente para um vida adulta, algo que se traduza como maturidade. Chegou a hora.
É, eu preciso crescer, e não são os santos, nem os loucos que me dizem para fazê-lo. Sou eu. Quero acreditar intensamente naquilo que tenho feito e esquecer tudo o que me traz dor e decepção.

(fragmentos, assim me considero.)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não me confunda. Não sou para muitos e todos esses que venho tentando abraçar na tentativa de acreditar que a humanidade não é tão ruim assim, não são para mim. Meu quebra-cabeça não está mais montado na sala, passei de tempo em tempo (verão a inverno) tentando descobrir o todo do desenho sem me preocupar com as peças pequenas, as ausências que configuram a figura como tal. A arte não se realiza sem a peça principal e a maior dor disso é ter consciência de que qualquer uma delas pode ser a principal, contanto que falte. Porque meus dias têm sido assim, constituídos de ausências. Então, levantei da cama, fui até a sala e destruí todo aquele jogo que demorei tanto a montar, peça por peça, sonho por sonho, verdade/ilusão. Procurei por palavras que fizessem sentido, mas de que valia a pena se faltava uma peça? Refugiei-me na sala dos outros, na cama de vários, no medo de muitos sem saber que ao fazer isso, só entocava ainda mais a vontade de desistir que já me era concreta. Fechei lá dentro. E perdi novamente para a amplitude daquilo que me era guardado. Ingênua como desconhecia que era, não sabia que existia tamanho para aquilo que se sente. Deixei passar. Passaram momentos. Deixei viver. Passaram sentidos. Deixei sonhar. Passaram vôos. E porque não sou para muitos que agora sinto (so)mente aquilo me era pouco e por estar enclausurado ganhou força suficiente pra se desprender e se destacar no universo de incertezas que tornava a minha passagem tranquila. Repito: não sou para muitos e é por isso que desmontei o quebra-cabeça. Meu quebra-cabeça é a tal peça que se perdeu e que deve ser eu.

delírios: eu preciso parar de escrever de dia, soa tão racional;

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

As pessoas só estão assustadas
As pessoas só estão assustadas
não houve tempo e você sabe
as cenas se desenrolam sem um ensaio
sem sequer um roteiro
as pessoas pegam o que têm à mãos
e você olha de longe pode perceber o medo
e o em si mesmo curiosamente animal das pessoas
a dúvida o ódio ou o amor incontidos
ou aquilo que guardam para um choro implacável
que arremessa seus peitos num desfiladeiro de paixões confusas
soluços e lágrimas
as pessoas trapaceiam matam ajudam espontaneamente
olham com ternura desprezam se irritam num instante inexplicável
perseguem e podem ser auto-complacentes
podem apertar a sua mão abraçar como pólipos
desejar muitas coisas em segredo que jamais vão conseguir
o palco é muito grande e muitos se sentem desconfortáveis
contam histórias inventadas tentando enganar o tempo
acreditam em coisas estúpidas com fervor às vezes comovente
às vezes apenas horroroso
& às vezes demonstram uma beleza que fere os sentidos
para você jamais esquecer que o pouco ainda é muito
no cômputo geral de tudo
ou quando você é incapaz de admitir o sentido do pequeno incidente
no desenho invisível de linhas harmoniosas como a música

Dirceu Villa - bom, é somente um ensaio do que eu sinto instanteneamente. Um ensaio...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Nem que seja pra entender que fingir não faz da mentira uma verdade."

É, essa noite sonhei com você. Fui dormir chorando e sonhei com você. Não se sinta tão comovido, pois pela primeira vez em algum tempo meus anseios dramáticos não ensaiavam por ti. Não quero falar aqui o motivo pelo qual eu estava chorando, mas dizer que você apareceu em meu sonho pra me acolher dessa dor.

Agora que vem o paradoxo. No meu sonho titubeante e, muito claro, era você que chorava. Eu estava na sua sala com dois de seus gatos (um que parecia muito com a minha gatinha) e você andava de um lado para o outro. Parecia que suspeitava que algo de ruim iria acontecer porque eu não conseguia lhe fazer sentar e me abraçar, o que ocorre frequentemente quando nós, feito par, estamos juntos.

Desisti. Tentei a televisão. Seus gatos me distraíam quando a minha única distração permanente insistia em não me olhar. Não vou entrar no desespero e pensar que estávamos virando rotina porque isso se trata de sonho – justamente, trata-se de um sonho – e você, com sua mania desesperada de deixar sempre as coisas bem claras, fruto de uma sinceridade latente, mostrava incessantemente pra mim que não corríamos esse risco. Parece tortura, mas eu gosto de saber que o único risco que corremos agora é de nos perdermos antes da enchente.

Vestindo apenas uma camisa branca - talvez uma que tenha visto somente uma vez e essa minha memória que insiste em gravar tudo que vem de você tenha guardado lá nas gavetinhas, uma camisa branca, velha, que pela imagem quase podia me fazer sentir seu cheiro – levantei do sofá em busca de abrigo que seus braços enclausurados demais por algo que você não sabia me contar, não conseguiam me oferecer.

Gosto de pensar que você tem segredos. Guardados bem dentro dos seus olhos, eu me vejo motivada a descobri-los. Eu acho que essa é a magia. Você tem segredos. E não precisa um sonho maluco vir me dizer isso, porque eu sinto toda vez que você luta pra se desvencilhar de mim em alguma noite que era para dormirmos juntos. Não estou fazendo julgamentos aos seus mistérios, porque como disse, eu gosto. Que estranha maneira essa minha de gostar, não é? Se somos indefiníveis, é porque cada um de nós dois tem algo dentro de si inteiramente oculto. Ainda não sabemos e isso é a dor e ao mesmo tempo a delícia. Cada um sabe que gosta, mas não sabe por quê.

Por que nos procuramos no meio de tanta gente? Por que nos encontramos quando procurávamos desencontrar? Por que quando juntos nossos olhos fecham confiantes e basta nos separarmos pra insegurança surgir traiçoeira? Por que nossos corpos se atraem e se repelem simultaneamente? Por que teu cheiro diz tanto de mim? Por que eu continuo gostando de ti mesmo achando laranja uma cor tão feia? (acho que é porque essa era a cor favorita do meu avô) Por que até quando fazemos besteiras, cometemos enganos, machucamos um ao outro, ainda assim, o que sentimos prevalece? Por que? São tantos porquês desenganados, tantos motivos desencontrados, que até quando eu tento ser clara, traduzo-me confusamente e me perco nas linhas de um texto que deveria ser um breve relato de um sonho qualquer. Mas, se fosse qualquer seria fácil de não se perder...

Em pé, vestida com aquela sua camisa que eu só vi uma vez, rodeada pelos gatos que você não tem, procurando por aconchego que agora seus braços não podem me dar, saio. Saí pela porta da frente de sua casa (bom, deve ser por conta dos galos, até meu inconsciente teima que você não mora na cidade) e avistei minha mãe. Sim, ela me abraçou tentando dar aquilo que você não podia (e quantas vezes quis que ela estivesse aqui pra nutrir aquilo que essa sua falta de amor não me dá). Você também veio, depois de ter me visto sair, quem sabe, cumprimentou-a pela primeira vez de uma forma distante. Eu pedi que você o fizesse novamente e pude sentir o seu olhar de raiva por isso, mas você estava preocupado demais para me cobrar depois. Aí, você me abraçou e falou baixinho em meu ouvido: “Eu queria poder te contar agora, mas é melhor não...”

E foi a sua vez de sair. Você partiu. E como de costume, retornou me ligando momentos depois. Sua voz estava trêmula e parecia distante. Ouvi, tensa, alguns balbucios que traziam de volta a palavra “mãe”. Foi o que eu pude ouvir antes de desligar, ou de acordar.

Levantei pensativa da cama. As nossas mães: esse deve ser o amor que sentimos em comum. Aquilo que nos une na nossa incoerência sentimental. Elas nos ensinaram a dar amor antes de procurar por ele e eu acho que é por isso que ainda estamos aqui. De qualquer forma, em qualquer lugar, do jeito que for. Seja do meu jeito arrogante e orgulhoso. Seja do seu jeito hostil e impulsivo. Eu gosto de saber que os nossos maiores erros foram por conta de todo o amor que não fomos capazes de sucumbir. Por mais que digam que nós fugimos, eu tenho muito orgulho em dizer que, fugir é escrever uma história sem fim na esperança de que o fim sejamos nós e depois correr disso por medo de que esse fim realmente seja o nosso. E é aí que passamos de covardes-receosos-românticos para seguros-corajosos-contemporâneos.

Vivam de música, mas não viva de passado. O meu conselho pra vocês: olhem pra frente, ainda que doa muito em mim saber que sou agora, matéria do que já foi.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"Abriu os olhos e o viu deitado do seu lado. O coração, como sempre, pulsou forte informando-a de que alí havia algo, algo que ela conhecia, que sentia, que sabia mas se negava a acreditar. Medo ?! Talvez, não queria muito isso. Talvez receio, talvez fuga de si mesma, talvez raiva da falta de controle para com os seus sentimentos. Controle esse que sempre pensava ter. Mas sentia como humana que era, e não controlava o que sentia, porque sempre acabava chorando sozinha, embaixo das cobertas, no quartinho alugado longe da família. E como se o corpo todo soubesse mas a cabeça, dura, tentasse convencer-se de que não era assim, de que tinha controle, continuou olhando e batendo o coração com aquele que via. Ele dormia pesado, ainda que ela desejasse que as coisas fossem como em um filme onde ele acordaria e a olharia e eles começariam a filosofar sobre os sentimentos e coisas que aconteciam naquele momento. Ela filosofava muito, já ele, dormia. Foi quando um rolo de memória desceu por seu crânio e ela lembrou de cada discussão, cada chorinho rasgado, cada palavra implorada, cada agarrão, cada beijo devorador, cada sermão torto, cada idéia aborrecedora. O filme de seus recentes momentos rodou na tela de seus olhos, recentes demais para o tamanho da destruição, onde naquele dia ele a havia machucado de novo e ela lhe havia pedido pra ficar pois sabia, sempre sabia, ele mentia. Traidor de si mesmo, dizia uma coisa quando sentia outra, e fazia com que ele mesmo tentasse acreditar nas mentiras que ele lhe cuspia. Enquanto ela, mais poderosa, lhe cuspia as tais sinceridades que não sabia esconder por não querer, por não entender, por viver em um outro patamar de vida onde aquilo que ele lhe condenava não existia. "Porque não podemos aproveitar o que temos ?! O que é bom ?!". Era tão simples e ela não conseguia entender como ele não entendia, não via ! Mas tudo era parte do jogo da dor que ele lhe propôs, e que ela participou.


Era ciclo.


Ela dizia pra ele não ligar, ele ligava e ela atendia. Ela dizia que sem mensagens, ele mandava e ela respondia. "Aonde você está ?! Como vai embora ?! Vou te buscar !" "Vamos para a sua casa." "Se importe e me traga um guarda-chuva e meu casaco." "Sem vestígios." "Não gosto de você.". Alí não haviam dúvidas, só certezas. E ela teve certeza ao caminhar de mãos dadas, e descrevia tudo como em uma história alheia a ela, como uma série de TV que lhe doía, por quem ela chorava, ficava destruída ! Ninguém entendia. Eles não entendiam. Mas o imã fazia com que eles voltassem a se juntar. E ele cantava e chorava e ela olhava e pensava porque aquilo, porque ela, porque tudo tinha que ser tão difícil ?! Abdicar o que ?! Liberdade de que ?! Presa a quem ?! Moralismo, falso !!

Como era de costume, ela levantou, se vestiu e saiu andando. Foi embora, como ele detestava que fizesse. Tinha que sair, queria pular nas árvores, beber com os amigos, conhecer gente, gritar !

Foi então que se deparou com um muro. Olhou pra trás e o viu:


- Topa pular comigo ?!

- Topo.

- Topa mesmo ?!


Aquilo foi como um grito ainda que tivesse sido um sussurro, um grito que entrou em seu corpo e a virou de ponta cabeça. Topa mesmo ? Topa mesmo ? Topa... mesmo ?"

Escrito por Pri Fierro - Aquele pedaço de mim que mora onde eu quero me refugiar, lá, bem lá, perto daquilo que eu chamo de fuga e que pra ser de verdade, só se for com ela.

sábado, 16 de outubro de 2010

Bom, vou tentar ser sensível a mim.
Saí de casa com um brilho pequeno nos olhos
e um centímetro de esperança que eu sabia
não iria se realizar...

Pensei no caos que tem sido
sair de casa quando não se pretende ir tão longe
Agradeci por aqueles que me aquecem
pertencerem ao lugar pelo qual eu luto

Gotejo distante, cinzas que poderiam apaziguar
um movimento provocante
uma lua que nunca vai me deixar
Pode ser, muito mais forte do que latejante

Volto para casa, num sonho distante
cerveja na mão, aquela que foge aos instintos dos homens
não é frescura, mas questão de gosto
me faz lembrar de tantos desgostos

O barulho das botas
me faz pensar em como eu estou sozinha
eu e as placas de lombadas
meus sonhos e essas inúmeras linhas

Três da manhã
e as melodias que me entristecem
eu gostaria de esquecer toda essa maluquice
que por mais que eu não queira de tristeza me elegem

Aquela que pra muitos não é de verdade
e eu consigo ouvir essas muitas vozes
que ainda insistem em uma cruel e inquietante realidade
e eu respondo: o que é de fato, verdade?


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

- O que mais me dói é saber que eu não vou mais te fazer sorrir.
- Você ainda me faz sorrir.
- Não como antes.

(Antes da Enchente)

Silêncio, tempo de silêncio ensurdecedor. Onde as casas caem, as pessoas saem em busca daquilo que ainda resta para elas. Seus olhos se revestem de esperança quando deveriam estar chorando. Aos prantos, crianças são tomadas de seus lares por uma chuva que não cessa. E depois, vem a nau resgatar o que restou daquele temporal. É um vendaval sem mais restícios. Só faz transbordar. Enchente é sentimento que transborda.

(Depois da Enchente)

- Eu te quero!
- Quer mesmo?
- Eu te quero. Eu te quero muito! Eu te quero bem.

Tem música que toca pra zelar por nós. Assim como afinidade, as notas nos fazem acrescentar um pouco mais de sentimento naquilo que faz acontecer. Mas tem distância que faz o olhar sério. Porque às vezes, nem dói tanto assim saber que não somos mais motivos que fazem as pessoas sorrirem. Elas encontram outros motivos. Tem vida que segue, mesmo depois da água destruir todo aquele sentimento de paz. Precisamos nos conformar, nem sempre somos quem segura as mãos pra que não sejam levados pela correnteza de tristeza e desistência. Mas não há conformismo que me faça entender. Eu não entendo você. Eu não entendo você nove vezes, infinitas vezes.


"Imagine então se nada mais pudesse nos prender e eu de fato conseguisse enfim viver como deveria ser."

É como enchente.

"Somos livres e este é o inferno"

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio,combinado nas almas, sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-nos, como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através dos sonhos...
Tínhamo-nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção. Fora daquelas àrvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria algumas coisa de real, de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?...
Na clepsidra da nossa imperfeição gotas regulares de sonho marcavam horas irreais...Nada vale a pena, ó meu amor longícuo, senão o saber como é suave saber que nada vale a pena...
[...]
Ali vivemos um tempo que não sabia decorrer, um espaço para que não havia pensar em poder-se medi-lo. um decorrer fora do Tempo, uma extensão que desconhecia os hábitos da realidade do espaço...
[...]
E nós, não nos perguntávamos para que era aquilo, porque gozávamos o saber que aquilo não era para nada.
Nós sabíamos ali, por uma intuição que por certo não tínhamos, que este dolorido mundo onde seríamos dois, se existia, era para além da linha extrema onde as montanhas são hálitos de formas, e para além dessa não havia nada. E era por causa da contradição de saber isto que a nossa hora de ali era escura como uma caverna em terra de supersticiosos, e o nosso senti-la era estranho como um perfil da cidade mourisca contra um céu de crepúsculo outonal...
[...]

Bernardo Soares

domingo, 10 de outubro de 2010

Que seja!

- Cadê tu nessas horas? Vem aqui me cuidar..
- Ué..Pensei que o nosso relacionamento tava fadado a não sair do papel, da tela do computador e das mensagens inoportunas. Cadeado numa irrealidade, ilusão. Não existe, sabe?
- Não.
- Admite ao menos que, dentre os outras candidatas à vaga de pessoa mais iludida da década, a minha resposta foi a mais original.
- E a mais defensiva. Os mesmos ataques. Sempre.
- As mesmas conversas, sempre; as mesmas atitudes, sempre; as mesmas desculpas, sempre; o mesmo papinho, sempre; e o cego amoroso cai, sempre.
- Não é bem assim. Quando eu estive disposto você fugiu, todas as vezes.
- O castigo pelas minhas fugas já tem durado mais que o necessário. Pega as chaves e abre aí, pô. Deixa eu sair dessa gaiola que acabou se tornando o que era pra ser a gente. Me liberta, vai.
- Voa, então. O que te prende aqui não sou eu, é não ter nenhuma amarra. Descobre o novo e me conta mais tarde, na volta. Volta, sim. Sempre te pego, tu sabe. Às nove, ou dez, de alguma noite entediante.
- Até chegada a vez em que com tanta novidade e conhecimento obtido, cultural ou de vivência, que seja: certas vezes aquilo que encontramos substutuí o antigo, obsoleto e já sem sentido. E voltar então, além de desgastante, pode se tornar tão banal que a mudança de rota é o caminho..

(Assim fosse. Quem dera. E que seja!)
- Camila Paier
Under Creative Commons License: Attribution No Derivatives

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ela era inconsistência, impulsividade, corajosa, saudosa. E por conta disso, as pessoas tinham facilidade para amá-la. Porque nessa rotatividade incomprensível ninguém conseguia fazer com que ela parasse para entender a si mesma e ao mundo. Seus sonhos eram fragmentados e não tinham rostos que coubessem em suas perspectivas. Por não conseguirem segurá-la - nunca - a amavam ainda mais. Ela sempre ia embora antes que pudessem desistir dela. Era complicada, não conseguia falar de si para quem desejava. Não conseguia falar para ninguém aquilo que sentia. Não precisava suportar as dores porque não chegava a sentí-las, essa era ela.
Era ele. Andava. Perguntava sem parar. Agia antes dela. Sorria porque sentia. Agradecia todas as vezes que se encontravam. Pegava nas mãos dela. De improviso e de impulsividade, usava todos os meios que pudessem estreitar a relação inconstante e ambígua deles dois. Sonhava com paixão, mas partia sempre. Partia ainda mais aquele sentimento que já era parcelado. Embriagava-se porque precisava se libertar e quando tomado pela liberdade voltava para ela. Ele não se reconhecia mais. Nem seus planos, nem seus medos. Quanto mais ela corria, mas ele a puxava de volta. Quanto mais ela pensava, menos eles se realizavam. Quando parou de pensar, começou a se questionar. Ela era feita de coragens, mas foi calada pela vontade de ficar.

Ele disse: "Sabe sobre tempestade?"
Ela disse: "É tudo que tenho vivido"
Ele disse: "Eu não tenho vivido..."

Diante disso, mais um silêncio premeditado. E agora? - pensaram os dois tentando desvendar toda essa parte que não era para acontecer. Eles não eram.

"(Porque ela era uma guria que lê, e hoje quando ele acorda, ele não sente mais nenhum ciúme e é possivelmente aclamado com tanto calor humano. Não há mais presença feminina que respeite o seu sono, e sente com as pernas cruzadas e o livro no colo, desviando atenção. Hoje ela é uma leitora voraz de outros corpos e comportamentos, e sente uma imensa falta daquele contato improvável entre uma menina que lê, e alguém que o faz tão pouco. Ainda mais, quando pela manhã.) "

— Camila Paier

domingo, 3 de outubro de 2010

em busca de um título...

Títulos sempre me rendem. Não gosto (ou sou incapaz) de dar nome às coisas e acho que isso reduz o seu poder de realização. Quando escrevo, imagino um ambiente cheio de palavras, sentenças e até mesmo fragmentos de textos voando desordenados esperando por mim na tentativa de enclausurá-los da maneira que mais me convence. Sim, escrevo para me convencer. Convencer a mim e essa minha cabeça endoidecida de que sempre tenho respostas, ainda que estas não venham em forma de títulos. Títulos só servem para banalizar todo o resto. Perdão, o título é o resto. É aquilo que não pode se encaixar dentro das suas sentenças bem articuladas, amarradinhas como ponto cruz. Tenho perdido meus desejos para títulos que tampouco bastam aos outros. Se olhares na barra ao lado desse painel, não encontrarás um só fragmento que carregue o peso de ser intitulado. Meus fragmentos fazem parte de um todo e esse todo se constitui como verdade daquilo que escrevo. Escrevo em fragmentos porque fragmentada estou. Pedaços de mim correm mundo afora e não cometas a indiscrição de confundir fragmentos com vestígios. Vestígios de mim estão conectados aos espaços que percorremos juntos, naquela inconstância que me roubava um pouquinho de ar, um milímetro de conforto e -2,7 de saudades. É, me vesti de menina dos olhos quando deveria estar armada. Olhei bem dentro daquilo que me restava tentando buscar mais do que vestígios para mudar essa minha indiferença que congela até matar. Em vão. Talvez na insistência de preencher uma bibliografia, muitos têm se esquecido que o valor não está no nome, mas na essência daquilo que se vê, que faz gostar mesmo contra a maré, que faz dormir, que faz com que o teu cheiro se torne perceptível apenas se misturado com o do outro. Isso está me matando. Tirei da estante Dom Quixote, pode ser que ele me empreste um pouco da sua loucura (e muito da sua armadura) pra queimar em mim todas as tuas referências que ficaram circunscritas em meu corpo cansado de lutar. Vem, tempo amigo, traz de volta a esperança de um outubro comigo.


terça-feira, 28 de setembro de 2010

Hoje, especificamente (e não especialmente) hoje, eu gostaria de não estar só. E eu poderia listar um série de coisas que me fazem insistir nessa ideia que me tomou por completo nesse dia tão cru. A começar pelo paradoxo que isso causa em mim, já que assumo, uma das minhas maiores qualidades é a de ser só. Eu sei ser só, eu luto para ser somente comigo e como tudo aquilo que eu luto, eu acredito ferozmente. Não faço por nenhum outro motivo, senão porque acredito quase que cegamente no que tomo para mim. Não que paradoxos me assustem, eles fazem com que haja movimento em meu interior tão estagnado. Sigo listando mais duas das razões que contradizem a minha condição de ser só. O tempo e o espaço. Existe um tempo em que você quer alguém segurando a sua mão ainda que ao perder o passo as mãos se soltem e mesmo que possam dormir entrelaçadas e acordarem distantes. Existe esse tempo? Talvez este seja o meu tempo agora. Existe em mim espaço para esse tempo? O espaço pode ser a qualidade que me falta para aderir definitivamente o seu caos a minha vida. Aqui, nesse quartinho, quase não sobra espaço para mim e a minha bagunça. Aliás, eu preciso perguntar se o meu espaço não se incomoda de apenas hoje, só por hoje, você fazer parte da minha desordem. Você entende o quanto é preciso mover para te trazer pra dentro? Nem eu entendo. Porque deveria ser como dizem por aí, que quando a gente gosta, vamos acontecendo independente de tempo, espaço e a cabeça louca de nós dois que insiste tanto pra que tudo não aconteça. Mas você sabe melhor que eu que acontece. Aconteceu. Acontecia. Acontece. Assim, nos mais diferentes tempos verbais a gente escreve, escrevia e vem escrevendo a nossa história. E nesse tal de jogar com o corpo e a mente, tem algo no meio de tudo isso, bem lá no fundo, que não permanece intacto. Acho que é esse nosso sentimento de prevenção. Precisamos nos livrar disso. Afinal, prevenir amor (se é que podemos chamar assim) é negar a última beleza que resta ao mundo. Amor não pode ficar guardado como se fosse esperar pelo tempo do resgate. Ele precisa ser gritado, ele precisa ser proliferado. E dessa vez, com maturidade e consciência, algo que foge a quem ama imprudentemente, algo que está longe de nós dois com essa nossa mania de querer suspender por meio de fingimento aquilo que realmente sentimos.

domingo, 26 de setembro de 2010

"As verdades mudam, e as suas o fazem numa velocidade que acredito que ninguém seja capaz de acompanhar."


"Te adorando pelo avesso pra mostrar que ainda sou tua."

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Cansei de cadeiras emparelhadas. Quero movimento, pessoas nos corredores reinvindicando por aquilo que consideramos todos como melhorias estudantis. Não é justo termos um governo que preza por moradias quando muitos mudam-se dezenove, vinte, vinte uma vezes até conseguir um lugar onde viver. Não é justo um país que preza por igualdade quando aqueles em que acreditamos morrem nas ruas todos os dias, de fome, de sede, de frio. Que lugar ocupamos? Eu sinto tanta dor por não conseguir mudar um milímetro daquilo que não consigo acreditar. E mais dor ainda por saber que aqueles que um dia eu pude ver acreditar desistiram tão fácil porque não conseguem mais crer em si mesmos. Não sei como nomear isso que me inquieta, mas não é tão bom como pregam muitos dos poetas que leio, aquilo que me inquieta corta, faz sangrar e destrói muitas das perspectivas que tenho. O que sobra é perguntar-me, o que de fato é perspectiva? É algo ao longe, ao infinito, porque não vejo naqueles que um dia pensei que iriam me tocar. Só que o que mais me distrai é saber que agora, ao invés de escrever eu me entrego à cama, entrego aquilo que tanto critico, ao sono que faz esquecer a acomodação que não toca, apenas desvia. Eu quero ser o desvio, a veia latente, o coração pulsante. Eu quero ser a pulsação, a tempestade, a chuva inconsequente. Eu quero te tocar, ainda que de tão longe não me toques, ainda que de tão perto me acomodes, ainda que assim não sobre uma só palavra pra dizer o quanto essa luta é árdua, o quanto esse desvio é preciso, o quanto essa magia transcende. Preciso te ver transgredir, preciso te ver lutar: "porque quem chora aceita e é preciso não aceitar!"

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cansei de ser forte. Chega um momento que aquilo que eu escrevo não me basta. Eu preciso de mais ousadia. Perdi meu sentido porque aquilo que vivo passa longe do que me toca. E quem tem as respostas? Sou contempladora da sorte e descrente do tempo, essa é a minha maior contradição. A fome que me move é fruto da intriga que ouço e o respaldo que tenho é o poder de ficar calada. Até quando? O silêncio é a forma mais pura de sentir porque a palavra é suja, ela imita a morte no momento de desintegração. Quando falamos abrimos mão daquilo que sentimos porque as palavras nunca se igualam ao desejo e a imagem idealizada. Não somos capazes de materializar os sentimentos e se assim o fazemos reduzimos a sua potencialidade de realização. O que sobra do nosso resguardo? A consciência de que aquilo que dizemos nunca irá se igualar ao que sentimos. Não é como o espetar de um espinho que ao te furar modifica a sua acomodação porque fere a pele, toca na dor e perde o sangue. Não é como o sexo que comove a sua rotina, instiga o seu instinto e perfura os seus orgãos. Dizer é entrega e entrega é ventura. Bem aventurados do que creem na peripécia e produzem o mal dizer. Pra mim não. Aqui em minha morada palavra soa como acordo e acordo é aperto de mão, olho por olho, coragem. Não sou capaz de dizer aquilo que não acredito, sonhos que não contemplo e precisão que não vejo. Pra mim, dizer é permanência porque somado com a memória resulta na essência de minha história idealizada.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Benjamin disse, certa vez que a primeira experiência que a criança tem do mundo não é a de que 'os adultos são mais fortes, mas a sua incapacidade de magia'. A afirmação, proferida sob o efeito de uma dose de vinte miligramas de mescalina, não é, por isso, menos exata."

Giorgio Agamben

trimetoxifeniletilamina



Não se pode tocar a felicidade sem magia. E se fomos tomados por um sentimento de introspecção provocado por esse encanto em que tanto nossas crenças quanto nossas memórias passaram a fazer sentido naquele pequeno instante onde o impossível tornou-se história, é porque não sabemos que somos felizes. Essa falta de conhecimento de nossa felicidade é que nos torna felizes: "só é feliz quem não sabe". Encaixamo-nos na ótica das crianças desesperadas que criam um mundo para si, mudam de nome e correm de pés descalços por aí. "Mas de uma felicidade que podemos ser dignos, nós (ou a criança em nós) não sabemos o que fazer": portanto, silêncio. Tivemos alucinações de olhos abertos e fechados (mais abertos que fechados - mais fechados que abertos). Misturamos nossos sentidos, praticamos com o corpo a sinestesia da alma. E depois sorrimos eufóricos. Com o transitar das emoções, a energia se traduziu em desdobramentos de caminhos sem volta, ainda mais força corporal. E força, e jeito, trejeitos, tato insaciável, busca interminável: tentativas. E como felicidade não se espera e nem se alcança (não para nós) ela simplesmente nos significa: "ela só nos cabe no ponto em que não nos estava destinada, não era para nós. Ou seja, por magia." A nossa consciência daquilo que fomos, daquilo que somos, mudou após algumas perdas de apetite, pensamentos e falas incomuns. Percebemos que tanto a mim quanto a ti, destacava-se o detalhe em meio a mania de grandeza que o mundo tende a enxergar. Fomos tomados pelos grandes conceitos, (re)tomados, (re)virados, (re)voltados...mudando o significado e dando significância às experiências. O retorno ao mundo perdido, a perspicácia da criança mistificada: "esta é a essência da magia que não cria, mas chama". Ocasionalmente não tão restrito assim, faltou-nos a atenção que nos prendia à rotina, o desprendimento do nosso pensar daquilo que não nos provocava mais é, no entanto o que nos trouxe a vontade. Mudamos com relação ao tempo. Vestimo-nos de camaleões para com a realidade e abusamos de suas cores. A perda do auto-controle marcou por impulsividade os nossos atos, o ego se foi..."a magia não é conhecimento dos nomes, mas gesto, desvio em relação ao nome". A perda do ar, o cansaço e a insônia também zelam por nós assim como a ansiedade. Desejamos não desejar e isso é tudo. Mas somos desejo enquanto saudade, presença quando distância, procura em meio ao etanol. Isso é o pânico e a certeza de que não se viverá para dar nome ao todo: "Ter um nome é a culpa. A justiça é sem nome, assim como a magia".


terça-feira, 7 de setembro de 2010

é de cor opaca isso que sinto. e tenho estranhado a forma de como essa cor tem se apoderado de mim, passo a passo, pouco a pouco, sem deixar vestígios para outras cores, mais fortes ou ainda mais fracas, mas cores que dialoguem com algum sentimento interior e não essa falta de cor, ausência de ego, ladrão de destino. essa falta do que sentir me rouba o pensamento e tenho insistido em criar teorias de que isso pode ser sim um sentir. um sentir pouco apreciativo que nada tem em comum com aquele que te faz tremer as pernas e perder a fome, mudar de endereço e esquecer seu verdadeiro nome. esse não-sentir é o lugar do isolamento, o limbo dos sentimentos. é como andar sem curvas, prever o caminho e acertar sempre, o fim da busca sem nem sequer ter um começo. como pode ser inexistente se provoca esse desassossego, sonho infundado, existir sem tropeços. e ouvi dizer que não ama apenas vive, desfruta do prazer como momento sem sentido de permanência. e ouvi dizer que não chora, somente seca as saudades sentidas de quando sentir ainda significava. e ouvi dizer que não canta, apenas reproduz o canto dos que ainda sentem. e ouvi dizer...ouvi dizer tantas coisas sobre mim e sobre você que enche toda essa ausência de fatos e carência de vidas, de um palpitar suspeito. parece que quando a gente vira conversa dos outros (ainda que estes sejam nós mesmos) as nossas entrelinhas passam a ser (ainda que pequenas e de um vazio imenso) um pouco daquilo que torna saudável a nossa fuga. e as cores? melhor que sejam opacas do que se constituam como ausência de luz, porque esse retrato ainda que apagado não copactua com a ideia da cegueira, já se sabe que até a falta de sentir é um sonho com possibilidades de se realizar.
é um não-sentir sentindo, porque eu sinto ainda que não..o que é então?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"onde ninguém sabe o meu nome"

talvez porque mentir às vezes não basta pra se fugir daquilo que anseias. e mesmo que não se importe, nossas cidades não são suficientes pra cobrir as nossas vidas. percebemos o quanto sofremos quando decidimos ficar, porque ficar é enfrentar aquilo que se sente e nem sempre se acredita. têm dias que somos impulsionados por uma vontade ligeira de ir embora e simplesmente queimar a identidade, mudar de nome e criar outra ótica daquilo que somos. esses dias são para nós refúgios para aquilo que sentimos agora, fuga daquilo que construímos no decorrer do tempo. seria medo de viver o tempo que nos é agora ou forma racional de entender o presente como outro lugar, lugar em que não somos apenas, representamos as vontades que sentimos. e como poderia ser a vida se de fato a aproveitássemos como ausência, esquecendo que aquilo que sentimos é presença do que se foi. não estou enganando a ninguém porque o que eu sinto tem demonstrado que um pouco de mim ainda insiste em viver, longe de quartos fechados, lençóis limpos e água benta. já me cansei de rezar por dias em que pensei ser tudo normal, cansei de pensar que o que se tem é de verdade, cansei de sonhar com todos os sentidos. tenho pensado em ser mais oposição. ser do contra implica em crítica, reflexão e insistência. apesar de que ser crítica não tem me ajudado muitas vezes, penso no bem que isso pode fazer naquele tempo que se prolonga. é, nem sempre atingimos o que queremos repentinamente. trata-se de tempo, vontade e paciência. ser paciente é refletir sobre aquilo que defendes com unhas e dentes, e nunca, nunca esquecer-se que as cidades que anseias nem sempre estão tão perto das estradas que percorres, por isso, precisas encontrar aquele ponto que deu origem à partida sem esquecer-se do caminho de volta. é que se for pra esquecer, deve ser pra nunca mais se machucar. começar do zero, sem cheiros, muito menos vozes. é exorcizar os fantasmas que insistem em puxar a sua coberta no meio do sono sem sentido. agora, insistir no erro, aquele que te diz com voz forte e sem se segurar: por mais que queiras sabes que a estrada é longa e o caminho confuso... fico pensando, não se trata de ser muito mais além, diz respeito ao modo como abordamos aquilo que arrepia o corpo e mesmo assim permanece inquieto. era muito mais fácil ir embora, pra boston, califórnia, ou qualquer outro lugar que te reveste de segurança, ao invés de coragem. só que começar de novo aqui pode valer muito mais a pena do que fugir por medo daquilo que se sente ao perceber que recomeçar nem sempre é abrir mão daquilo que acreditas. seja você mesmo, independente do lugar que estejas. preserve a autenticidade do teu sorriso e aquilo que te cura pode vir de imediato, ainda que coberto da insegurança que te faz recuar quando seus olhos não fecham, mas as luzes se mantém apagadas.

domingo, 29 de agosto de 2010

"Olhar com amor requer um tempo que pessoas de passagem não podem e não devem ter"

É inverno e contar o tempo por estações tem mostrado o quanto tudo tem passado tão rápido por nós. Ontem, pude sentir a linha do tempo preto e branca correndo como um filme de nossa autoria, autêntico e intenso, rodar por milésimos de segundos em minha mente. Lembrei da vez em que te vi de cabelo descolorido, tu e mais dois de ti, cantando como se aquilo fosse a coisa mais bonita de nosso mundo. E, talvez, você tenha levado a sério demais e cantar é a coisa mais bonita da tua vida. É o motivo da vinda, mas agora, existe enquanto partida. Perder você para os teus sonhos não me entristece, mas não posso deixar de falar do buraco que você ousou traçar em mim quando decidiu ir embora. Muitos não gostam de mim no início, alguns permanecem não gostando e raros (você se inclui aqui) conseguem decifrar um pouco do que sou e entendem que para se gostar de verdade, é preciso ter paciência e pode levar estações inteirinhas. Ouvi de você há dias: "Parece que eu te conheço há tanto tempo" e esse foi o mesmo dia que conheci a tua história. E me apaixonei. Apaixonaria-me por ti em outras estações se tivesse tido a chance daquela noite, em que te ouvi falar sobre teus sonhos, ilusões, desejos, satisfações e coragens. E sabe por que eu me arriscaria por ti? Porque reconheço, de imediato, uma alma que me completa. Estou em busca dos meus hiatos perdidos em cenários que desconheço, você pode não saber, mas preenches uma parte de mim que se chama verdade. Eu gosto do modo como quando as coisas chegam em tuas mãos, tornam-se verdade. Você faz de letras, músicas. Faz de sons, melodias. E, podes ter certeza, você faz de mim, perseverança. Até em marte eu pude ver a lua da tua ótica caótica, mas ao mesmo tempo simples. Porque sim, você é simples e isso o torna singular para mim. O teu sotaque que insistiu em continuar mesmo aqui onde os dialetos se misturam fazendo de todos um só, torna a tua essência ainda maior. Pra quem diz que você não se encontrou, grito: Quem é que precisa se encontrar para fazer aquilo que acredita? Metas? Planos? Não sejamos tão reducionistas. Eu adoro o modo como você pega na minha mão ao falar comigo. Gosto do fato de abrir a sua geladeira e não encontrar absolutamente nada. De você almoçar cachorro-quente todos os dias e não enjoar, ao contrário, satisfazer-se com isso. De como a minha garrafa de café permanece da mesma forma que eu a deixei em outras estações na mesa da tua sala. Da maneira como você apertou forte a minha mão no dia em que o sono nos tomou e fomos impulsionados por um sonhar repentino. Amo o jeito que teus olhos fecham quando você toca Cazuza, e quando tocou pra mim sem nem mesmo ter ensaiado. Eu amo o teu improviso. Tuas reticências que controlam a minha expectativa. O modo como pra você, nada importa, contanto que tenha um violão, uma noite e meia dúzia de cervejas geladas. Gosto da maneira que você faz sorrir tantas outras sem despertar os meus ciúmes. Do carinho com que você deposita palavras pra mim. Queria enumerar todas as coisas que me fazem gostar de você, mas acredito que sentimentos não são enumerados, são contados e é por isso que eu conto. Conto pra ti o quanto o teu canto me faz te querer bem, em paz e fazendo, aqui, ali, acolá, aquilo que você mais ama: encantar pessoas com o som da tua música e encantar a ti mesmo com o escrever da tua história, que eu sei, começa agora, ainda que longe, mesmo que distante. Espero que a saudade seja tema de muitas das tuas canções porque emite por meio da distância toda a natureza daquilo que se sente, quando se sente.

"Eu queria te levar comigo." - Ouvi você dizer enquanto deitada em seu colo me enchia de saudades.
"Me leva, então." - Respondi apertando o mais forte possível a minha cabeça sobre o teu peito, sabia que eram as últimas palavras, por enquanto, por isso quis fazer delas eternas.