sábado, 27 de novembro de 2010

A escrita me comove. Porventura, nesses tantos dias que os desencontros circunstanciais apontaram os danos que anteontem eu não via, agora escrevo. Pode ser na tentativa de me livrar desse imenso vazio que me engloba dos pés a cabeça, sequestra meus sonhos e faz guerra sem princípio de paz. Estendi a bandeira branca. E disse "chega". Mas os sentidos de confundir entenderam que era pra ti chegar. E os soldados continuaram a atirar contra meu peito descoberto. Estou exposta, o corpo cansado pede socorro, mas é a mente que insiste em ficar. Quanta coisa que não sabem de mim e procuram não saber. Quanta coisa que eu não quero contar e que fica aqui guardada me esmagando, me condenando, me exibindo. E é só nos livros que me encontro. Olho pro mundo no lugar da estante e tento ficcionalizar tudo o que sinto. E é só assim que funciona.
A separação é um poço de sentido. Só sentimos quando estamos a sós. Nessa solidão quase sólida procuramos encontrar o ponto onde tudo se perde e se torna de verdade. Alguns encontram saídas alternativas, remédios, sessões na psicologia, ombros de amigos, colo dos pais...outros procuram os livros na tentativa de se apropriar do fênomeno de pensar (ou sentir) a ausência. Pode ser o livro técnico, fuga do emocional, o livro de auto-ajuda, uma receita sistemática de como se esquecer o que te dói em 28 dias, os livros de romance, porque então você se envolve na história de outros que sofrem tanto ou igualmente a você, e finalmente os seus livros... aqueles que vem compostos por poesia e música, três linhas que juntas revelam um mundo interior maior do que 100 páginas de técnicas, 34 sessões de psicologia (sem querer diminuir essa arte, até porque sou frequentadora desse bem), 10 passos de auto-ajuda descritos em um livro que arrecada milhões. Poesia salva, música eleva. E o coração, intimamente ligado ao sentir falta, pede. Depois agradece. O coração que está do lado da vida e diz: "mais vale viver juntos, ainda que separados do que morrer um pela mão do outro na guerra".
A leitura me envolve. Quando acho que digo alguma coisa diferente, leio dois segundos depois em algum autor que guardo com estima perto do peito. Ou em outro que encontrei quando vasculhava resquícios de mim em meio a correria dos dias. Envolvida pelas palavras dos outros, num diálogo constante, minha mente não pára, é uma ebulição de pensamentos que provocam as mais diversas reações abusivas em meu corpo que grita. E ninguém mais quer me ouvir. Mas o meu autor escolhido me ouve, me lê, porque senão tivesse me lido como escreveria exatamente o que sinto? Eles são o meu mistério mais temeroso. Meus autores são meus pais, os guardo o tempo inteiro, aqui, em minhas mãos, por duas linhas ou até em grandes páginas com letras minúsculas.
A análise me cansa. Estou demasiada exausta de ver que o mundo inteiro nos julga por amarmos. Por que não julgam os que enganam? E se julgam por que então toda essa mentira não muda? A busca pela sinceridade é intensamente quebrada quando temos que nos reservar para não assumirmos o que queremos. Se o fazemos pelo nosso bem, até pode ser sinceridade, mas somos permanentemente oprimidos por falta de nos encaixarmos. Ou por sentir demasiado. Eu sinto o tempo inteiro. E a linguagem me permite. E se sinto é porque sou composta de ausências.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Por onde eu tenho andado? Perdi-me nas entrelinhas taciturnas do anseio de me amar e com tanto amor que depositei em mim, esqueci-me de como era se sentir amada pelo outro. E corri, e chorei e caí, desmistifiquei as palavras colecionadas por uma teoria falha. Falho, sou eu que tenho falhado no imediatismo desse sentimento que não pode passar. Sei o que quero, mas o que quero eu não quero. E têm olhos que tentados por me aprisionar deixam-me livre para amar. Não quero um consolo, colos passageiros, coesões e coerências. Quero palavra que fica. Porque eu sempre fico e me estico na tentativa de puxar de volta tudo aquilo que escapou por alguns centímetros de medo. E se eu não gostasse tanto...tem tamanho gostar? Tem sentido que solto, voa inspirando liberdade e respirando solidão. Onde estou? Labirinto de proezas e frases soltas, textos desconectos, distâncias sintaticamente sentidas. Seleciono lugares por onde andei, mas não encontro saídas. Sou sempre confusão e de conflito em conflito acendo lentamente o fogo da desilusão. Desmerecida, abro espaço para outra voz que tem tomado minha consciência na tentativa de resolver meus sonhos distorcidos:

Ajoelhei-me
deitada no chão
contei as goteiras
as gotas
abri
fechei
abri fechei
a janelinha esmiuçada do banheiro

nada se prende ao chão
nem o pó
a masmorra
movimentada do dia

contei o tempo
arregacei as horas
insisti
refalei
adoeci
nada
nada
nada
foi a resposta
das minhas perguntas

até a sombra de uma cadeira
marcada na parede
parece mais livre
que essa história

até esses enfeites de macela
sobre a mesa
começos de escada
até tudo isso
não respondeu a pergunta

eu sou cega-surda
ou deveria ser mesmo muda

ou sou apropriada
fina folha de sulfite branca
pasma

ou a tentativa de me unir ao chão
ao pó assentado nas prateleiras
não passa de um tênue reflexo

sobre meus sentidos

escondidos
vistos
faltados e ouvidos

desmerecidos

Ryana Gabech

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

o prazer de viver

a POESIA
com POESIA
da POESIA
em POESIA
por POESIA
de POESIA
pela POESIA

há POESIA!
há POESIA!

vem POESIA
vai POESIA
se POESIA?
lá POESIA
cá POESIA
já POESIA

POESIA-me
POESIA-te
POESIA-se
POESIA-nos

Ah, POESIA!
Ah, POESIA!
Sentir é tão abstrato, encostar é a consequência, o ato.

Ouvi Skank por você. Aquela que canta: te ver e não te querer, é improvável, é impossível. E o mais irônico é que eu não ouço Skank. Você desemboca reações absurdas em mim. É o meu bom e velho platonismo voltando a correr nessas veias que de forma tão incomum tinham trocado a fugacidade pela permanência.

De longe, teus olhos me lembraram alguém. Escondido por detrás dos teus cílios tão escuros, desvendo a cada vez que te encaro, um pedacinho de ti que eu nem sei se é faz de conta ou coragem de arriscar. De volta ao jogo, te vi cantar. De longe, recuando para que não me notasse acreditei novamente na loucura das minhas distrações que viabilizam meu jeito distante de desejar: ora, você pode me sentir?

Observei você por tanto tempo que pela minha cabeça nunca passou o acontecimento do toque. Quando pude te tocar, teu jeito deixou de ser imaginação e passou a ser relato. Relato aqui o quanto eu gosto de ficar longe de ti só para ter o prazer de te tocar no final da noite. E que final recheado de início! Deveria ser sempre assim, amores platônicos que por impedimento de se realizarem nunca têm um fim.

Quando você me olha, eu fico assim, sem ter o que fazer. Imobiliza meus passos, dá sentido ao meu sorriso que desvio, porque hoje está quebrado. Perigosamente, arrisco olhar teu mundo também: estrelas incandescentes pintam meu olhar junto ao teu. É diálogo mudo, como quando nossos olhos se encontram e se desviam em um segundo, receosos. Temos medo da descoberta, mas gostamos do jogo de descobrir. Descobre-me que descubro-te, meu sonho de verão, sintonia da minha melancolia, motivo do meu palpitar incerto.

Eu quero o desassossego de te desejar em silêncio. O sossego de idealizar teu toque. A ternura de enfeitiçar teus eus. Como poderia ser contato se somos ao mesmo tempo limite? É o lugar da fronteira que nos possibilita ficar. Entre nós, tem um rio de gente, e dentro de mim, um mar de sonhos. Por ti eu sou procura, por mim agora sinto, sou superação. Deixei os fantasmas brincando no velho corredor de outrém e inspiro mudança, variação, alteridade: meu bem você me dá, água na boca!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Devolva, maldito. Devolva a minha nudez sem vergonha. Devolva as madrugadas que passei em claro, mas de olhos fechados sentindo meu corpo. Devolva o meu sangue quente, meu suor enraivecido, meu cheiro gasto.
Ladrão dos meus prazeres. Você me roubou a solidão, aquela que me era intacta, tão tácita, aquela que me era paixão. Devolva a minha insanidade, meus olhos molhados de sentir, minha promiscuidade tão seletiva. Devolva a força das minhas mãos que apertavam tuas costas na tentativa de me encaixar novamente entre teus poros. Ladrão de vontades, devolva meu desejo.
Devolva a minha prosa que se faz com poesia. Traz pra mim o meu sexo, a minha virgindade que se fez e se desfez perante teu fôlego. Devolva a minha fugacidade, a minha ironia, o meu jogo e a minha inspiração.
Quero ouvir a minha falta de respirar, o coração pulsante por não querer parar, a rotina da deselegância das muitas posições. Onde está meu inferno? Onde está o meu final que transbordava de vontade pra recomeçar? Devolva as minhas artimanhas, minha violência e minha nitidez.
Devolva o meu show que se fez com tua performance, a minha vulgaridade que se criou diante das tuas dúvidas e as minhas que se fizeram pelo teu prazer. Teu prazer rasteiro...que se apagou em migalhas e depois sem migalhas sumiu feito pó. Nem há pó, nem nada. Nem um pingo de suor. Nem ao menos lambidas nas partes mais íntimas, ou sensíveis...pode ser pescoço ou mesmo na orelha. Partes essas que se comunicam em voz baixa com outras tantas partes. É a lei da linguagem. Você me calou. Diante da minha mudez, fiquei nua. Diante da tua insolência, criei muralhas que nem mesmo a torre mais alta pode ser capaz de ultrapassar.
Devolva-me a inexatidão dos sentidos. Porque não quero mais a certeza de que perdi toda a sedução dos motivos, quero o desprazer da insegurança, a distração da vingança, a saudade dos meus tímpanos implorando pela tua voz. E grito, grito como quando você me calou com tuas mãos para segurar o meu orgasmo. Grito como quando você me colocou de bruços pra me fazer tua e escrava dos teus braços. Grito porque quero que escutes, o que estragou o nosso fogo foi a tua mania de querer amor. Eu quero a consequência. Devolva a minha ânsia de lutar.


domingo, 21 de novembro de 2010

Meu querido,

Senti você comigo hoje quando levantei da cama, acho que você estava pensando em mim. Tive um fim de semana tranquilo, não bebi mais e me sinto em paz aqui onde estou. Pra lhe falar a verdade, não queria voltar. Talvez, aquela vida conturbada que tenho levado longe daqui, tem me deixado inconstante e tem sido responsável pela minha vontade de sempre ir embora. Perdi a paciência que me era inerente e o respeito dos meus pares. Queria usar aquele adesivo que dita: "estou em silêncio" para ver se consigo controlar meus ataques inconsequentes em que cuspo as palavras nos olhos dos outros para me defender de algo que eu nem sei o que é.
Por outro lado, tenho dormido novamente. Não lhe procuro mais nas noites que embora sejam de verão, ainda sopram ventos para me lembrar dos fantasmas do inverno. Meus pais estão preocupados comigo. Chamam-me idealista, politiqueira, altruísta e às vezes dizem: "Você não é Madre Teresa", mas sou Maria, respondo sempre em pensamento. Não sei me adaptar aos ditados dessa vida, você sabe, não sei ser hipócrita e fingir que o mundo está bem quando a doença da desigualdade se espalha como um vírus sem cura. É, meu bem, eu estou crescendo.
Queria falar de nós dois. Sinto falta do seu cheiro e das suas mãos. Sinto falta de deitar de bruços ouvindo Beatles e ficar pensativa esperando você sair do banho, de não responder quando você me chama esperando que me encontre sem a minha voz para guiá-lo. Sinto falta do seu olhar de reticências que foi substituído por esse de dor ou pena, duro e insensível. Andei pensando tanto esses últimos tempos e descobri parte de nós.
Se você me permitir: Eu não queria que insistíssemos em algo que estava destinado ao fim, seriamos duas pessoas infelizes em um relacionamento de mentira. Por isso, não poderíamos nos manter ali. Apesar de os "se" sempre me perseguirem porque, no fim nós nem tentamos. Nós brigamos muito quando percebemos que ia acabar, talvez pelo desespero de ter que se abandonar mesmo não querendo, ou por ter que aceitar que química não mantém amor. Não queríamos nos deixar. E passaríamos muitos dias juntos, felizes por não estarmos separados. Sei que não nos falamos há algum tempo e isso me proporcionou sobriedade suficiente para lhe escrever calmamente agora. Não estive em Roma, mas preciso citar uma passagem da história de lá para que você possa compreender. Octavio Agusto construiu um lugar maravilhoso em Roma para poder guardar as suas coisas. Quando os Bárbaros vieram, destruíram isso e todo o resto. Como ele pensaria que Roma, o lugar que era tudo pra ele no mundo, estaria em ruínas um dia? É um dos lugares mais quietos e solitários de Roma. A cidade cresceu em volta dele todos esses séculos, como uma ferida preciosa, um antigo amor que você não quer esquecer. A dor é tão boa, queremos que as coisas continuem as mesmas, meu amor. Vivemos infelizes por termos medo de mudanças, de ver nossas vidas acabar em ruínas. Então, pensei nesse lugar e em todo o caos pelo qual passou. A forma como foi adaptado, queimado, destruído. E ainda achou formas pra se construir de novo. Talvez minha vida não tenha sido tão caótica assim. O mundo que é, e a armadilha é se apegar demais a ele. Ruínas são um presente. São o caminho para a transformação. Perguntam-me se estou pronta, assim como você havia me dito que estava. E eu respondo: Agora estou. Devemos estar preparados para todas as transformações. Merecemos mais do ficar juntos por medo de sermos destruídos se não ficarmos.

Aonde você estiver, estarei lhe mandando luz e amor.

De sua eterna Mi.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Não me pareceu estranho o teu olhar de repulsa quando me viste dançar. Nem mesmo a tua insistência imatura de me prender sobre tuas recusas. Tu te tornaste tão previsível que desconstruiu todos os momentos surpreendentes que tivemos em meio a um inverno que cheirava carência.

E isso só me fez correr para bem longe ti, por isso reclamas e mentes, deve ser a minha capacidade de luta que se opõe ao teu moralismo banal. Sempre soube que seria uma pedra nos sapatos dos teus planos, que nossas pegadas partiriam para outros rumos em direções opostas, mas nunca pensei que seríamos dor ao invés de saudade.

Aliás, nunca tive a pretensão de encontrar em ti motivos pra ficar em meio à oscilação de sentimentos, enganei-me sentindo teu cheiro empregnado em meu corpo, rememorando beijos que se revelavam quentes diante de nossa frieza e correndo pra longe da bagunça que era a tua vida.

Coloquei minhas botas gastas em mais um dia de perda, perda que foi se diluindo em pedaços de nós dois, tu porque te obrigas a sofrer pelo sofrimento que cometeste em mim, eu dilacerada, sem fé, sem busca, sem sede de saber, porque quanto mais tu falavas, mas me lembravas dos teus paradoxos entre ir e ficar, entre gostar ou não.

Repito, foi tu que escreveste todas essas malícias, entre corpos cansados de se enganar com os dos outros e procurando refúgio em um prazer mais certeiro, que não só prazer...tinha olho no olho demais, entregas angustiadas, sorrisos sorrateiros, vozes entrelaçadas pelo som rouco do teu violão tímido, roupas largadas em meio aos quartos que gritavam por nossas loucuras e mais tantas outras coisas que sei, não precisas te esforçar para trazer pro agora.

Abaixar a cabeça na frente daquilo que me fez te esquecer é me colocar entre o céu e o inferno, porque quando enxergo teu olhar distante, repleto de um vazio esmagador dos sentimentos que restaram (ou não) consigo entender que não faço pela proteção que almejo atingir nos braços de outros, mas pela certeza de que finalmente tu entendes que não somos feitos de reticências e que nem tudo será da maneira como tu quiseste escrever.

Porque tu achas que sempre tem que ficar tudo bem. Eu quis desvendar o teu sempre tão descartável, das tais promessas mudas, dos sonhos conversados, do silêncio que nos era e foi sempre a tradução da nossa segurança. Tu fechaste a porta e abriste uma janela, ao longe, circunspeta, bem do lado daquele banheiro aos fundos em que jogamos todas as coisas que não queremos mais, mas que sabemos ainda podem voltar.

Eu, sempre teimosa, finalmente deixei meu orgulho se colocar e peguei uma caneta firme, segurei-a forte, tomei a frente dessa narrativa. Escrevi o nosso fim sabendo que agora seríamos apenas personagens das minhas mãos e que não te daria o controle como o anti-herói que foste outra vez (de uma forma que não sei me havia escapado) e pude, por fim e pelo fim dizer: - adeus.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Quebrei a chave da garagem, aquela do portão aqui de casa.
- que casa?
A de balneário, sim, a de camboriú...
- é a de balneário camboriú.
Isso, só faltou a letra maiúscula.

Do meu joelho escorre sangue e eu nem sei como o carro estacionou.
Ilusão.
Claro que eu estava protegida, eu sempre estou.
Minha mãe ao meu lado, ela tem se preocupado.
Não só ela...

É, também aqueles que se vão.
- Quem se vai?
Os mortos.
- Para ti.
Queria mudar, queria trazê-los pro meu sossego, pro meu sono, aquele que só é tranquilo se com eles. Entende?
- É, quem tem que ficar, fica, não?

Repito essa frase o tempo todo pra ver se aumenta, fica igual, ou diminui a minha dor...essa que toma todos os meus pensamentos.
- Ei, você precisa muito escrever, não sobre mim, muito menos sobre os que se vão. Você precisa escrever suas perspectivas, seus planos, fazer dessa transição pela qual você tem passado, de uma vida imprudente para um vida adulta, algo que se traduza como maturidade. Chegou a hora.
É, eu preciso crescer, e não são os santos, nem os loucos que me dizem para fazê-lo. Sou eu. Quero acreditar intensamente naquilo que tenho feito e esquecer tudo o que me traz dor e decepção.

(fragmentos, assim me considero.)