segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Meu coração parou. Por alguns segundos eu desejei não estar onde eu estava, não ver o que meus olhos estavam sendo cúmplices, não sentir as minhas mãos suarem; e, novamente surpreendida pelo acaso, resolvi entrar e enfrentar a dor da perda. Após atravessar o grande corredor pálido ocupado por pessoas que encarnavam ainda mais essa condição, quando não no rosto, nas roupas, perguntei por Maria, a minha tão lúcida Maria.

- No box 5 - respondeu-me um senhor carrancudo, de pele enrugada e óculos grossos que impediam qualquer tentativa de diálogo entre olhares. Deve ser mais fácil para eles não olhar nos olhos quando trazem más notícias.

Percorri mais 5 metros procurando pela minha razão, logo a encontrei. Deitada, triste e frágil como não lhe era comum. Respirei fundo, coloquei a mão no peito pra ver se os batimentos voltavam e ensaiei uma frase de calmaria em pensamento antes de lançar qualquer palavra em sua direção. No chão, restos do seu mal estar davam um colorido de tom amarelo pastel aquele lugar tão branco.

- Fica tranquila, meu amor. Você vai ficar bem, agora... - Disse com a voz um pouco trêmula que ainda não havia se recuperado do susto. Ela abriu os olhos pequenos devagar e por um instante pensei ver um sorriso, mais uma vez ela tentando ser forte quando só precisava chorar.

- Minha boca...eu não sinto. - Eu que há tanto tempo não sentia o coração gostaria de estar no lugar dela agora. Amparada pelo silêncio que me é mais conveniente quando desejo falar o que sinto e não o que penso, corri a procura de alguém. Segundos depois, um jovem, de voz forte, cabelos raspados, altura mediana, olhos gentis, veio ao nosso socorro.

- Tudo bem, dona Maria? Eu vou fazer um soro na sua veia agora e preciso que você me ajude fechando o punho direito e segurando até eu pedir que solte. - Ela, apegada a segurança que eles da saúde nos passam quando querem, fez o que ele pediu, sem arriscar uma palavra. Com uma luva cirúrgica, ele amarrou acima do cutuvelo dela e aproveitou a pressão para encontrar o caminho da sua cura. Eu, confiante que estava, apenas observei tentando não desconcentrá-lo.

- Pronto. Agora você tem que cuidar pra não sair da veia. - Ele me olhou com aquele olhar seguro de quem já fez isso cinco mil vezes pra talvez se livrar do meu olhar de insegurança e observação e disse saindo do local: - Qualquer coisa, não hesite em nos chamar. - Agradeci com um sorriso pequeno e me aproximei dela para lhe cobrir a seu pedido.

Depois de vê-la corar um pouco, sentei-me na cadeira localizada a frente da cama e abrir meu exemplar de "A manhã seguinte sempre chega" procurando por alguma crônica que eu ainda não havia lido. Por ironia, li o seguinte trecho: "Sabe doutor, conheci uma menina aí. (...) Já te aconteceu de trombar numa menina assim? Assim, doutor, que te faz voltar a sonhar, então tu hesita porque sabe que o sonho não sairá como tu sonhas?"

Claro que nessa hora eu fechei o livro. Olhei ao redor. Branco e mais nada. Não é por nada que pessoas enlouquecem nesses lugares. Uma enfermeira baixinha e de sorriso largo veio ver como estava dona Maria e aproveitou pra refazer o caminho do soro, pois o outro havia se perdido. Agora, com uma das mãos ligadas aquele caninho transparente onde cai gotinha por gotinha e salva corpo, alma e coração, a cor dela voltava sem que eu me iludisse como em instantes atrás.

O doutor, não o do livro, o que havia receitado duas doses de soro, uma de glicose e mais três combinações de diferentes remédios, também chegou pra terminar de desenhar um sorriso pequeno em meu rosto, pois consigo trazia uma pouco mais de tranquilidade.

Como havia desistido momentaneamente do livro, tentei as mensagens de celular. Falei com algumas pessoas distantes em kms, outras distantes em coração. Também desisti do celular. Achei refúgio na música. Tocava Los Hermanos em meus ouvidos distraídos quando senti um frio nas costas. Logo depois, havia um bilhete com uma letra de forma sinalizando que até nos lugares mais improváveis, o amor acontece. Amor? Bom, meu coração mal havia se recuperado de um susto e já se encaminhava para outro. Que ousadia a dele! E a minha em aceitar. E a nossa em se encontrar.

Agora, a beleza fria de Maria, estava quase pronta para outra. E eu, ainda surpresa pelas coisas que podem te acontecer quando você não está esperando resolvi dar outra chance para o livro, fui ler o final daquela crônica, que dizia assim:

"- Que aparelho é este?
- Um desfibrilador.
- E por que tens um desfibrilador no seu consultório, doutor?
- Porque sou cardiologista, não psiquiatra. E eu posso precisar reanimar o coração de algum paciente em estado de urgência.
- Vou anotar o telefone dela, caso enguice essa tua parafernália aí. Ela também desfibrila corações em estado de urgência. Desculpa a anedota doutor, a gente fica bobo quando está apaixonado."

Foi então que eu percebi. A gente só precisa de um choque. De uma surpresa. Um chute. Ou até mesmo um simples olhar, um toque. Quando você está distraído demais pra notar o mundo gritando ao seu redor a cena pode passar milhões de vezes por você que você não vai parar pra vê-la. Agora, ouse sentir perder alguém que você estima para ver o quão sensível você se torna aos sussurros do mundo. E aí, vem um outro alguém pra te dizer que não é um desfibrilador que vai trazer seu coração de volta, mas o simples ato de te notar quando o mundo inteiro parece não te ver.

Um comentário:

  1. Quando todas as verdades se tornam inevitáveis e os sentimentos de mostram cru, a flor da pele, dos ossos as entranhas.

    Bela homenagem a Maria..grande Maria



    Abraços, Keli

    ResponderExcluir