terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ela tinha um guri para si. Um guri que não tinha fome e nem conseguia ler como ela. Ela tinha uma vontade de acolhê-lo em seus braços quando ele aparecia sem chão, no meio de qualquer noite imersa de madrugada fria, cinza, ou branca de lua cheia. Ela queria cuidar sem perceber que precisava também de cuidados. Acreditava na intensidade com que ele a segurava quando a queria em meio ao álcool, diante de sons confusos daqueles que não precisam falar o que querem porque apostam na linguagem dos corpos. Ela dormia. Por algum tempo ela dormiu e sonhou. E porque sonhou teve que despertar. Sem o seu guri, já não se reconhecia mais. Adotou outros na esperança de sanar a dor da ausência, mas logo eles também se foram. Não bastava. Nenhum deles era bravo como ele quando ela o contrariava. Nenhum deles pintava a raiva da contradição no coração dela como ele fazia. Um deles sabia desaparecer como ele, mas ainda assim não tinha a audácia no rosto, a mentira nos lábios, as mesmas mãos carregadas de impulsividade como as daquele guri. Agora ela entendia um pouco do que era aquele sentimento conturbado. Nada de paz, segurança, afetividade, nem um pouco de reciprocidade para o bem. Era tudo que circunda o caos, que destrói a auto-suficiência, que fere a afeição. Era tudo o que se sente sozinha. Debaixo de tantos sóis, distante das gotas de chuva de um inverno a dois. Nem isso, nem nada parecia mudar o fato dela ter tido aquele guri para si. Talvez ela nem o tivesse tido, e tenha sido sim, somente carência. Mas, o guri a teve. A teve para si em corpo, alma e coração – como num último romance à moda antiga – porque ela sim, doou-se a ele. Não por se iludir ou ainda, acreditar que seria diferente ao seu lado, mas por irreverência e coragem de viver o que sentia. Por saudade de gostar de si ao lado de outra pessoa. Pra se lembrar de andar com olhar baixo, sentir frio na barriga e corar diante das besteiras a dois. Por vontade de abraçar no escuro, de ter um lugar pra correr na chuva, por ser intensa talvez por uma última vez. Até que um próximo guri chegue, ou não. Ela só precisava dizer que teve um guri pra sentir que até então não houvera morrido a vontade de dividir-se com alguém. E mesmo que hoje ela sinta raiva desse mesmo gurizinho, inconstante, dissimulado, apaixonado, ela pensa nele quando vai dormir. E isso a faz se questionar. E entender que os sentimentos não permanecem segundo a bondade que os envolve, infinitam-se paradoxalmente por aquilo que dói. Quanto mais doer, mais vai ficar. E essa foi a primeira idéia de liberdade que se diluiu em sua vida. Ela achava que quanto mais tristeza a invadisse diante da inconstância dos atos dele, mais seria fácil dela o superar. E assim, ele também se decepcionou, pois igualmente havia dito e feito tudo para que se machucassem, no entanto, não pôde livrar-se do que sentia. Por isso, ela ainda achava que estava ganhando. Enquanto o seu guri planejava a vida sem pensar no agora, ela pensava no agora e os planos iam se desenhando involuntariamente, conseqüências de tantas voltas. Pra quem vive o agora – pensou ela baixinho enquanto sacudia o lençol submerso do cheiro dos dois – o sempre não faz questão de existir. Queria dizer adeus, mas para isso, precisava acreditar no “sempre”. Ela tinha um guri para si, por agora, ela o tinha.

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