terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Nem que seja pra entender que fingir não faz da mentira uma verdade."

É, essa noite sonhei com você. Fui dormir chorando e sonhei com você. Não se sinta tão comovido, pois pela primeira vez em algum tempo meus anseios dramáticos não ensaiavam por ti. Não quero falar aqui o motivo pelo qual eu estava chorando, mas dizer que você apareceu em meu sonho pra me acolher dessa dor.

Agora que vem o paradoxo. No meu sonho titubeante e, muito claro, era você que chorava. Eu estava na sua sala com dois de seus gatos (um que parecia muito com a minha gatinha) e você andava de um lado para o outro. Parecia que suspeitava que algo de ruim iria acontecer porque eu não conseguia lhe fazer sentar e me abraçar, o que ocorre frequentemente quando nós, feito par, estamos juntos.

Desisti. Tentei a televisão. Seus gatos me distraíam quando a minha única distração permanente insistia em não me olhar. Não vou entrar no desespero e pensar que estávamos virando rotina porque isso se trata de sonho – justamente, trata-se de um sonho – e você, com sua mania desesperada de deixar sempre as coisas bem claras, fruto de uma sinceridade latente, mostrava incessantemente pra mim que não corríamos esse risco. Parece tortura, mas eu gosto de saber que o único risco que corremos agora é de nos perdermos antes da enchente.

Vestindo apenas uma camisa branca - talvez uma que tenha visto somente uma vez e essa minha memória que insiste em gravar tudo que vem de você tenha guardado lá nas gavetinhas, uma camisa branca, velha, que pela imagem quase podia me fazer sentir seu cheiro – levantei do sofá em busca de abrigo que seus braços enclausurados demais por algo que você não sabia me contar, não conseguiam me oferecer.

Gosto de pensar que você tem segredos. Guardados bem dentro dos seus olhos, eu me vejo motivada a descobri-los. Eu acho que essa é a magia. Você tem segredos. E não precisa um sonho maluco vir me dizer isso, porque eu sinto toda vez que você luta pra se desvencilhar de mim em alguma noite que era para dormirmos juntos. Não estou fazendo julgamentos aos seus mistérios, porque como disse, eu gosto. Que estranha maneira essa minha de gostar, não é? Se somos indefiníveis, é porque cada um de nós dois tem algo dentro de si inteiramente oculto. Ainda não sabemos e isso é a dor e ao mesmo tempo a delícia. Cada um sabe que gosta, mas não sabe por quê.

Por que nos procuramos no meio de tanta gente? Por que nos encontramos quando procurávamos desencontrar? Por que quando juntos nossos olhos fecham confiantes e basta nos separarmos pra insegurança surgir traiçoeira? Por que nossos corpos se atraem e se repelem simultaneamente? Por que teu cheiro diz tanto de mim? Por que eu continuo gostando de ti mesmo achando laranja uma cor tão feia? (acho que é porque essa era a cor favorita do meu avô) Por que até quando fazemos besteiras, cometemos enganos, machucamos um ao outro, ainda assim, o que sentimos prevalece? Por que? São tantos porquês desenganados, tantos motivos desencontrados, que até quando eu tento ser clara, traduzo-me confusamente e me perco nas linhas de um texto que deveria ser um breve relato de um sonho qualquer. Mas, se fosse qualquer seria fácil de não se perder...

Em pé, vestida com aquela sua camisa que eu só vi uma vez, rodeada pelos gatos que você não tem, procurando por aconchego que agora seus braços não podem me dar, saio. Saí pela porta da frente de sua casa (bom, deve ser por conta dos galos, até meu inconsciente teima que você não mora na cidade) e avistei minha mãe. Sim, ela me abraçou tentando dar aquilo que você não podia (e quantas vezes quis que ela estivesse aqui pra nutrir aquilo que essa sua falta de amor não me dá). Você também veio, depois de ter me visto sair, quem sabe, cumprimentou-a pela primeira vez de uma forma distante. Eu pedi que você o fizesse novamente e pude sentir o seu olhar de raiva por isso, mas você estava preocupado demais para me cobrar depois. Aí, você me abraçou e falou baixinho em meu ouvido: “Eu queria poder te contar agora, mas é melhor não...”

E foi a sua vez de sair. Você partiu. E como de costume, retornou me ligando momentos depois. Sua voz estava trêmula e parecia distante. Ouvi, tensa, alguns balbucios que traziam de volta a palavra “mãe”. Foi o que eu pude ouvir antes de desligar, ou de acordar.

Levantei pensativa da cama. As nossas mães: esse deve ser o amor que sentimos em comum. Aquilo que nos une na nossa incoerência sentimental. Elas nos ensinaram a dar amor antes de procurar por ele e eu acho que é por isso que ainda estamos aqui. De qualquer forma, em qualquer lugar, do jeito que for. Seja do meu jeito arrogante e orgulhoso. Seja do seu jeito hostil e impulsivo. Eu gosto de saber que os nossos maiores erros foram por conta de todo o amor que não fomos capazes de sucumbir. Por mais que digam que nós fugimos, eu tenho muito orgulho em dizer que, fugir é escrever uma história sem fim na esperança de que o fim sejamos nós e depois correr disso por medo de que esse fim realmente seja o nosso. E é aí que passamos de covardes-receosos-românticos para seguros-corajosos-contemporâneos.

Vivam de música, mas não viva de passado. O meu conselho pra vocês: olhem pra frente, ainda que doa muito em mim saber que sou agora, matéria do que já foi.

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